99%. Este número representa a chance de alguém que é viciado em crack – uma das drogas mais nocivas – de não se recuperar totalmente da dependência. Não é um dado que tem base científica, mas o poder desta droga é tão letal que os especialistas e conhecedores do assunto, para não dizer que é impossível uma pessoa se tornar limpa, dizem que é irrisória a probabilidade de haver uma completa purificação, do corpo e da mente, de alguém viciado em crack. E se, misturado a isso, tiver bebidas alcoólicas, cocaína... há chance do indivíduo pelo menos sobreviver? Para não dizer que é impossível, digamos que a chance seja de 1%...
A imagem é nítida. Suponhamos que esta pessoa exista, um cara que é viciado em crack, bebidas e cocaína. Colocamos um pouco de dramaticidade dizendo que ele sofreu 3 overdoses e foi para clinicas de recuperação para drogados 8 vezes. Aí ele se torna a exceção e faz valer o “1%” e fica totalmente livre de qualquer vicio. Até já da pra imaginar as cenas: depoimento em rede de televisão para mostrar sua vida e a transformação ocorrida, palestras motivacionais, livro escrito...
Bom, este alguém existe e ele atende pelo nome de Josh Hamilton, jogador do Texas Rangers. As características descritas acima são fatos verídicos da vida dele e, se pouca superação não fosse suficiente Hamilton, depois de passar por todo esse processo, entra na principal liga de beisebol do mundo (MLB) e automaticamente é um sucesso, sendo considerado um dos melhores atletas.
Isto, não só um dos melhores jogadores, A-T-L-E-T-A-!
Quem já teve a oportunidade de conviver com uma pessoa usuária de crack sabe o quanto desabilitado o viciado fica. A transformação no corpo é evidente e acontece muito rápido: degeneração dos músculos, insônia, perda de apetite... A pessoa passa a ser um homem morto andando. Literalmente.
A situação de Hamilton era grave e chegou a um ponto extremo quando ele teve esta experiência de verdadeiramente ser um homem morto andando. Em uma de suas idas a casa de um traficante em busca de mais drogas (ele já estava sob o efeito delas), a gasolina do seu carro acabou no meio da estrada que levava ao local e ele passou a fazer o trajeto a pé. O detalhe é que ele estava andando no meio da rodovia, em cima da faixa amarela, com os carros passando em alta velocidade bem perto dele. Este é um dos pontos mais baixos que o crack ajudou Hamilton a chegar.
Sua aparência era irreconhecível. Quem convivia com ele nos tempos de escola, quando ele era um sucesso no campeonato de beisebol, não acreditava que era o mesmo Josh Hamilton, aquela super promessa do esporte e que estava se entregando às drogas. Não era para ser assim.
Em 1999 foi a escolha número no draft da MLB , indo jogar no Tampa Bay Rays. Josh tinha 19 anos e nem foi para a universidade, porque seu talento era tão formidável que o pessoal da MLB acreditava que ele seria um sucesso imediato. No ato da assinatura do contrato, ele recebeu um bônus de US$ 4 milhões e este dinheiro iria servir de ferramenta usada no seu processo de autodestruição.
Hamilton sempre foi uma criança caseira, criado em um lar cristão e por pais presentes em toda sua infância. Enfim, era um bom garoto. Um dos scouts (olheiros) dos Rays disse à imprensa na época, sobre escolher Hamilton ao invés de Josh Beckett (hoje no Boston Red Sox e um dos melhores arremessadores da liga): “O caráter dele [Hamilton] foi o fator determinante. Ouvimos tantas coisas ruins de atletas profissionais, mas eu acho que nunca ouviremos nada de negativo sobre esse cara”.
Este era o respeito que Hamilton tinha: o exemplo dele sobressaia o talento.
Os pais dele largaram os respectivos empregos para acompanhar a carreira profissional do filho e foram morar com Hamilton. Tudo parecia perfeito até chegar o ano de 2001 e dois fatos ocorreram que mudaram o ruma da vida do jogador.
Ele estava afastado do seu clube – Charleston, um time que representa os Rays na minor A (uma das ligas de base da MLB) – e sofreu um acidente de carro; seu pai e sua mãe se feriram. Ambos foram para a cidade natal da família (Raleigh, estado da Carolina do Norte) e Hamilton ficou sozinho. Então agora era um jovem milionário, vivendo “por si” pela primeira vez e com bastante tempo livre. Um roteiro de uma tragédia pré-anunciada.
As más companhias passaram a fazer parte da rotina de Hamilton, que frequentava um clube de tatuagem e convivia com pessoas de comportamentos duvidosos. Com 21 anos de idade ele fez a brusca transição de um extremo ao outro: de “garoto exemplo” a “rebelde e incosequente”. No tal clube, Hamilton passou a descobrir o outro lado da vida e fez muitas coisas pela primeira vez: a primeira tatuagem, a primeira dose de bebida, a primeira linha de cocaína, a primeira pedra de crack... Cada vez mais que os dias passavam, ele se aproximava da destruição. Sua trajetória tomou outra direção e o obscuro fazia parte do seu cotidiano.
2002 foi o ano que ele mais se afundou nas drogas, tendo diversas overdoses e indo para casas de recuperação várias vezes. Em 2003 o beisebol era nada para Hamilton e o seu comprometimento com o esporte era nulo; chegava diversas vezes ao Tampa Bay atrasado e em algumas ocasiões levava drogas para dentro do estádio, dando aos Rays somente uma opção: a de dar ao jogador uma abstinência indeterminada para tentar consertar a sua vida. Em 2004 ele foi reprovado em vários testes e foi a vez da MLB o suspender por uma temporada – o mesmo aconteceu em 2005.
Neste período a sua esposa, Katie, fazia o papel de incentivadora e profetisa, dizendo constantemente à Hamilton que ele voltaria a jogar na MLB porque um plano maior estava prestes a se iniciar. Quando Katie trazia este assunto à tona, Hamilton não tinha coragem nem de olhar para ela...
Porém a recuperação dele de fato estava próxima, a questão era que enquanto Katie andava pela fé, seu marido andava de acordo com o que via em sua frente. Após muitas lutas, dedicações e orações, Hamilton conseguiu se livrar das drogas e retornar ao campo de beisebol e em 2007 ele assina um contrato com o Cincinnatti Reds – no ano seguinte foi trocado com os Rangers.
A apresentação dele em sua estréia foi emocionalmente. Ele estava escalado como reserva e foi um dos últimos atletas a serem anunciados pelo locutor do estádio Great American Park. Quando nos alto falantes saíram as palavras JOSH HAMILTON!, ele entrou em campo e todos os torcedores presentes aplaudiram com fervor mais a pessoa Hamilton do que o jogador em si. Quando ele entrou em campo e e viu sua esposa na arquibancada, foi difícil segurar a emoção, afinal ela estava certa. Naquele momento Hamilton percebeu que ele teria que ir além do beisebol e mostrar que é possível alguém conseguir se libertar das drogas, seja ela qual for.
Dois elementos contribuíram para o sucesso da volta de Hamilton ao beisebol: fé e conversa. Tanto a religião quanto o grupo Alcoólicos Anônimos (AA) tiveram um papel crucial na recriação do novo Hamilton e pesquisadores comprovam a importância e eficácia que estes dois fatores têm.
Angélica Martins é mestre em Enfermagem Psiquiátrica pela Universidade de São Paulo (USP – Ribeirão Preto). Ela fez um trabalho inédito no Brasil entrevistando mais de 130 dependentes químicos de quatro cidades do estado de São Paulo. A constatação foi que, segundo suas palavras: “...quando uma pessoa quer mudar um comportamento, só dá certo quando faz alguma coisa para que isso aconteça. No momento de decisão, a espiritualidade interfere bastante...”.
Já o AA tem como foco outros aspectos e os 12 passos do programa são eficientes e trazem resultados positivos. Hamilton se concentra com carinho no 10º passo que diz:
- Continuamos fazendo o inventário pessoal e, quando estávamos errados, nós o admitíamos prontamente.
Como forma de se lembrar do passado e das situações vexatórias que ele passou, todas as 26 tatuagens que há por todo seu corpo – incluindo de demônios e outras imagens densas –, irão permanecer nele para recordar o quão no fundo do poço chegou. Para compartilhar estas histórias, e outras mais, ele escreveu um livro intitulado “Beyond Belief” (tr. “Além da Crença”), onde compartilha momentos bem pessoais e particulares do seu cotidiano, dando exemplos de como deve ser cuidadosa a vida de um ex-viciado, que deve estar sempre atento para não abraçar a tentação.
Johnny Narron faz parte da comissão técnica dos Rangers e já treinou Hamilton quando ele era adolescente. Quando Narron está fora de campo, é uma espécie de tutor do atleta, sempre o alertando e direcionando. Nos jogos da equipe longe de Arlington (sede do clube) a diretoria dá por volta de U$ 400 dólares para cada jogador fazer refeições. O dinheiro de Hamilton é entregue diretamente à Narron que passa para o jogador somente o suficiente para um jantar ou almoço. Por disciplina própria, Josh não anda com mais de US$ 20 dólares na carteira e isto serve como um exercício para evitar ir à lugares onde o proibido facilmente fica disponível; aliás Hamilton nunca anda sozinho e está geralmente com Narron. Um belo dia, em 2008, quando os Rangers estavam na cidade de San Francisco (estado da Califórnia), foi uma das raras vezes que Hamilton foi a um restaurante junto com seus companheiros, entretanto ele se sentou do lado oposto de seus colegas, bem longe para manter o controle.
Este “auto policiamento” é chave. A psicóloga Luciana Yukioko, que integra o quadro do Centro Paulista de Reabilitação do Grupo Viva, alerta para o fato de que não é necessário um completo isolamento social, mas o que importa é não se misturar e/ou se envolver com pessoas que tem o costume de beber, fumar... Tudo para evitar a tão temida recaída, que pode fazer com que o pesadelo volte a se tronar real.
Mesmo sendo rigoroso e plausível Hamilton abraçou a tentação e com vontade. Em janeiro de 2009 ele teve um lapso e se envolveu numa bebedeira da pesada. Assim que acabou e ele se reagrupou, ligou prontamente para sua esposa, para os diretores dos Rangers e para sua família informando a eles do ocorrido e pedindo desculpas – que foram aceitas imediatamente. Por incrível que pareça, só depois de 7 meses que as fotos foram divulgadas na internet e aí ele precisou vir a publico se explicar.
Em Agosto de 2009 o site sensacionalista/esportivo Deadspin publicou 12 fotos de Hamilton (sem camisa) com outras três garotas em um bar fazendo loucuras. Logo a mídia foi em busca de explicações e ele jogou a carta do 10º passo e assumiu a responsabilidade, afirmando que o fato tinha acontecido meses atrás e que tudo já estava esclarecido com as pessoas que importam na vida dele. Enquanto muitos escolheram apontar o dedo e chamá-lo de hipócrita, Hamilton deu uma resposta a rede esportiva de TV ESPN direta e sincera:
“Honestamente, eu odiei o que aconteceu. Mas o que é, é.... Tenho que aprender a lidar com isto. Eu entendi, obviamente, que não sou perfeito e que a luta que eu travo é continua e muito real. A maioria das pessoas não entendem o quanto real é. Não me sinto hipócrita, e sim vejo que sou um ser humano.”
O mais importante que fica são os fatos que acontecem dentro de campo; e não apenas os números. Em 2007 dois episódios marcaram Hamilton e ele sempre faz questão de lembrar. Numa partida (que ele não gosta de mencionar o adversário) ele estava se encaminhando ao home plate para abrir uma entrada. O arremessador adversário chamou o catcher para conversar e o juiz foi limpar a base. Enquanto ele fazia isto, direcionou as seguintes palavras a Hamilton: “Josh, eu estou torcendo muito por você. Tive que lidar com algumas batalhas pessoais e sei como funcionam as coisas.”
O outro caso aconteceu contra o Houston Astros. Hamilton avançou até a segunda base e encontrou por lá Craig Biggio, lendário jogador da equipe de Houston. Eles nunca trocaram uma palavra sequer até então, mas Biggio chegou nele e disse: “Eu convivi com Ken Caminiti [ex-companheiro de time que morreu de overdodse em 2004]. Eu sei o quanto difícil é, mas você está na direção certa. Continue firme”.
A recaída, como o próprio Josh compreendeu, servirá para renovar as forças e manter a caminhada. Ele tem sido exemplar e constantemente gosta de afirmar: “Não tenho outra opção... Preciso me dar bem”.
De 2007 pra cá (sua temporada de estréia na MLB) Hamilton tem um carreira bem sucedida, indo duas vezes (2008 e 2009) para o Jogo das Estrelas e as duas pela escolha do público. Ele é considerado um dos melhores rebatedores de toda a liga e um dos favoritos dos torcedores. Esta aceitação e sua popularidade tiveram um crescimento em 2008 quando ele foi protagonista de um recorde histórico.
No Home Run Derby de 2008 – competição que faz parte do Jogo das Estrelas e consiste em ver qual rebatedor consegue mais home runs – , o último a ser realizado no antigo Yankee Stadium, ele anotou números fantástico: 28 HR´s na primeira rodada e 13 de forma consecutiva. Foi um momento que cativou todos os presentes e aqueles que estavam acompanhando pela TV.
Depois de tantos altos e baixos, passagens por vales e picos, Josh Hamilton é o exemplo vivo que ir além do esperado é possível; para tanto basta crer, confiar e se dedicar, sabendo que se uma coisa de errado acontecer, ele será o principal prejudicado e que se algo de extraordinário acontecer, ele será o principal beneficiado. Podem falar pelos quatro cantos que a chance de um viciado em crack, cocaína e bebida não se recuperar é de 99%, porém é preciso ressaltar que alguém conseguiu transformar o 1% em algo que vai além de sobrevivência, pois ele não só se limpou, mas retomou a ser um atleta de alto nível, transformando a tal pequena e improvável possibilidade em 101%.
A imagem é nítida. Suponhamos que esta pessoa exista, um cara que é viciado em crack, bebidas e cocaína. Colocamos um pouco de dramaticidade dizendo que ele sofreu 3 overdoses e foi para clinicas de recuperação para drogados 8 vezes. Aí ele se torna a exceção e faz valer o “1%” e fica totalmente livre de qualquer vicio. Até já da pra imaginar as cenas: depoimento em rede de televisão para mostrar sua vida e a transformação ocorrida, palestras motivacionais, livro escrito...
Bom, este alguém existe e ele atende pelo nome de Josh Hamilton, jogador do Texas Rangers. As características descritas acima são fatos verídicos da vida dele e, se pouca superação não fosse suficiente Hamilton, depois de passar por todo esse processo, entra na principal liga de beisebol do mundo (MLB) e automaticamente é um sucesso, sendo considerado um dos melhores atletas.
Isto, não só um dos melhores jogadores, A-T-L-E-T-A-!
Quem já teve a oportunidade de conviver com uma pessoa usuária de crack sabe o quanto desabilitado o viciado fica. A transformação no corpo é evidente e acontece muito rápido: degeneração dos músculos, insônia, perda de apetite... A pessoa passa a ser um homem morto andando. Literalmente.
A situação de Hamilton era grave e chegou a um ponto extremo quando ele teve esta experiência de verdadeiramente ser um homem morto andando. Em uma de suas idas a casa de um traficante em busca de mais drogas (ele já estava sob o efeito delas), a gasolina do seu carro acabou no meio da estrada que levava ao local e ele passou a fazer o trajeto a pé. O detalhe é que ele estava andando no meio da rodovia, em cima da faixa amarela, com os carros passando em alta velocidade bem perto dele. Este é um dos pontos mais baixos que o crack ajudou Hamilton a chegar.
Sua aparência era irreconhecível. Quem convivia com ele nos tempos de escola, quando ele era um sucesso no campeonato de beisebol, não acreditava que era o mesmo Josh Hamilton, aquela super promessa do esporte e que estava se entregando às drogas. Não era para ser assim.
Em 1999 foi a escolha número no draft da MLB , indo jogar no Tampa Bay Rays. Josh tinha 19 anos e nem foi para a universidade, porque seu talento era tão formidável que o pessoal da MLB acreditava que ele seria um sucesso imediato. No ato da assinatura do contrato, ele recebeu um bônus de US$ 4 milhões e este dinheiro iria servir de ferramenta usada no seu processo de autodestruição.
Hamilton sempre foi uma criança caseira, criado em um lar cristão e por pais presentes em toda sua infância. Enfim, era um bom garoto. Um dos scouts (olheiros) dos Rays disse à imprensa na época, sobre escolher Hamilton ao invés de Josh Beckett (hoje no Boston Red Sox e um dos melhores arremessadores da liga): “O caráter dele [Hamilton] foi o fator determinante. Ouvimos tantas coisas ruins de atletas profissionais, mas eu acho que nunca ouviremos nada de negativo sobre esse cara”.
Este era o respeito que Hamilton tinha: o exemplo dele sobressaia o talento.
Os pais dele largaram os respectivos empregos para acompanhar a carreira profissional do filho e foram morar com Hamilton. Tudo parecia perfeito até chegar o ano de 2001 e dois fatos ocorreram que mudaram o ruma da vida do jogador.
Ele estava afastado do seu clube – Charleston, um time que representa os Rays na minor A (uma das ligas de base da MLB) – e sofreu um acidente de carro; seu pai e sua mãe se feriram. Ambos foram para a cidade natal da família (Raleigh, estado da Carolina do Norte) e Hamilton ficou sozinho. Então agora era um jovem milionário, vivendo “por si” pela primeira vez e com bastante tempo livre. Um roteiro de uma tragédia pré-anunciada.
As más companhias passaram a fazer parte da rotina de Hamilton, que frequentava um clube de tatuagem e convivia com pessoas de comportamentos duvidosos. Com 21 anos de idade ele fez a brusca transição de um extremo ao outro: de “garoto exemplo” a “rebelde e incosequente”. No tal clube, Hamilton passou a descobrir o outro lado da vida e fez muitas coisas pela primeira vez: a primeira tatuagem, a primeira dose de bebida, a primeira linha de cocaína, a primeira pedra de crack... Cada vez mais que os dias passavam, ele se aproximava da destruição. Sua trajetória tomou outra direção e o obscuro fazia parte do seu cotidiano.
2002 foi o ano que ele mais se afundou nas drogas, tendo diversas overdoses e indo para casas de recuperação várias vezes. Em 2003 o beisebol era nada para Hamilton e o seu comprometimento com o esporte era nulo; chegava diversas vezes ao Tampa Bay atrasado e em algumas ocasiões levava drogas para dentro do estádio, dando aos Rays somente uma opção: a de dar ao jogador uma abstinência indeterminada para tentar consertar a sua vida. Em 2004 ele foi reprovado em vários testes e foi a vez da MLB o suspender por uma temporada – o mesmo aconteceu em 2005.
Neste período a sua esposa, Katie, fazia o papel de incentivadora e profetisa, dizendo constantemente à Hamilton que ele voltaria a jogar na MLB porque um plano maior estava prestes a se iniciar. Quando Katie trazia este assunto à tona, Hamilton não tinha coragem nem de olhar para ela...
Porém a recuperação dele de fato estava próxima, a questão era que enquanto Katie andava pela fé, seu marido andava de acordo com o que via em sua frente. Após muitas lutas, dedicações e orações, Hamilton conseguiu se livrar das drogas e retornar ao campo de beisebol e em 2007 ele assina um contrato com o Cincinnatti Reds – no ano seguinte foi trocado com os Rangers.
A apresentação dele em sua estréia foi emocionalmente. Ele estava escalado como reserva e foi um dos últimos atletas a serem anunciados pelo locutor do estádio Great American Park. Quando nos alto falantes saíram as palavras JOSH HAMILTON!, ele entrou em campo e todos os torcedores presentes aplaudiram com fervor mais a pessoa Hamilton do que o jogador em si. Quando ele entrou em campo e e viu sua esposa na arquibancada, foi difícil segurar a emoção, afinal ela estava certa. Naquele momento Hamilton percebeu que ele teria que ir além do beisebol e mostrar que é possível alguém conseguir se libertar das drogas, seja ela qual for.
Dois elementos contribuíram para o sucesso da volta de Hamilton ao beisebol: fé e conversa. Tanto a religião quanto o grupo Alcoólicos Anônimos (AA) tiveram um papel crucial na recriação do novo Hamilton e pesquisadores comprovam a importância e eficácia que estes dois fatores têm.
Angélica Martins é mestre em Enfermagem Psiquiátrica pela Universidade de São Paulo (USP – Ribeirão Preto). Ela fez um trabalho inédito no Brasil entrevistando mais de 130 dependentes químicos de quatro cidades do estado de São Paulo. A constatação foi que, segundo suas palavras: “...quando uma pessoa quer mudar um comportamento, só dá certo quando faz alguma coisa para que isso aconteça. No momento de decisão, a espiritualidade interfere bastante...”.
Já o AA tem como foco outros aspectos e os 12 passos do programa são eficientes e trazem resultados positivos. Hamilton se concentra com carinho no 10º passo que diz:
- Continuamos fazendo o inventário pessoal e, quando estávamos errados, nós o admitíamos prontamente.
Como forma de se lembrar do passado e das situações vexatórias que ele passou, todas as 26 tatuagens que há por todo seu corpo – incluindo de demônios e outras imagens densas –, irão permanecer nele para recordar o quão no fundo do poço chegou. Para compartilhar estas histórias, e outras mais, ele escreveu um livro intitulado “Beyond Belief” (tr. “Além da Crença”), onde compartilha momentos bem pessoais e particulares do seu cotidiano, dando exemplos de como deve ser cuidadosa a vida de um ex-viciado, que deve estar sempre atento para não abraçar a tentação.
Johnny Narron faz parte da comissão técnica dos Rangers e já treinou Hamilton quando ele era adolescente. Quando Narron está fora de campo, é uma espécie de tutor do atleta, sempre o alertando e direcionando. Nos jogos da equipe longe de Arlington (sede do clube) a diretoria dá por volta de U$ 400 dólares para cada jogador fazer refeições. O dinheiro de Hamilton é entregue diretamente à Narron que passa para o jogador somente o suficiente para um jantar ou almoço. Por disciplina própria, Josh não anda com mais de US$ 20 dólares na carteira e isto serve como um exercício para evitar ir à lugares onde o proibido facilmente fica disponível; aliás Hamilton nunca anda sozinho e está geralmente com Narron. Um belo dia, em 2008, quando os Rangers estavam na cidade de San Francisco (estado da Califórnia), foi uma das raras vezes que Hamilton foi a um restaurante junto com seus companheiros, entretanto ele se sentou do lado oposto de seus colegas, bem longe para manter o controle.
Este “auto policiamento” é chave. A psicóloga Luciana Yukioko, que integra o quadro do Centro Paulista de Reabilitação do Grupo Viva, alerta para o fato de que não é necessário um completo isolamento social, mas o que importa é não se misturar e/ou se envolver com pessoas que tem o costume de beber, fumar... Tudo para evitar a tão temida recaída, que pode fazer com que o pesadelo volte a se tronar real.
Mesmo sendo rigoroso e plausível Hamilton abraçou a tentação e com vontade. Em janeiro de 2009 ele teve um lapso e se envolveu numa bebedeira da pesada. Assim que acabou e ele se reagrupou, ligou prontamente para sua esposa, para os diretores dos Rangers e para sua família informando a eles do ocorrido e pedindo desculpas – que foram aceitas imediatamente. Por incrível que pareça, só depois de 7 meses que as fotos foram divulgadas na internet e aí ele precisou vir a publico se explicar.
Em Agosto de 2009 o site sensacionalista/esportivo Deadspin publicou 12 fotos de Hamilton (sem camisa) com outras três garotas em um bar fazendo loucuras. Logo a mídia foi em busca de explicações e ele jogou a carta do 10º passo e assumiu a responsabilidade, afirmando que o fato tinha acontecido meses atrás e que tudo já estava esclarecido com as pessoas que importam na vida dele. Enquanto muitos escolheram apontar o dedo e chamá-lo de hipócrita, Hamilton deu uma resposta a rede esportiva de TV ESPN direta e sincera:
“Honestamente, eu odiei o que aconteceu. Mas o que é, é.... Tenho que aprender a lidar com isto. Eu entendi, obviamente, que não sou perfeito e que a luta que eu travo é continua e muito real. A maioria das pessoas não entendem o quanto real é. Não me sinto hipócrita, e sim vejo que sou um ser humano.”
O mais importante que fica são os fatos que acontecem dentro de campo; e não apenas os números. Em 2007 dois episódios marcaram Hamilton e ele sempre faz questão de lembrar. Numa partida (que ele não gosta de mencionar o adversário) ele estava se encaminhando ao home plate para abrir uma entrada. O arremessador adversário chamou o catcher para conversar e o juiz foi limpar a base. Enquanto ele fazia isto, direcionou as seguintes palavras a Hamilton: “Josh, eu estou torcendo muito por você. Tive que lidar com algumas batalhas pessoais e sei como funcionam as coisas.”
O outro caso aconteceu contra o Houston Astros. Hamilton avançou até a segunda base e encontrou por lá Craig Biggio, lendário jogador da equipe de Houston. Eles nunca trocaram uma palavra sequer até então, mas Biggio chegou nele e disse: “Eu convivi com Ken Caminiti [ex-companheiro de time que morreu de overdodse em 2004]. Eu sei o quanto difícil é, mas você está na direção certa. Continue firme”.
A recaída, como o próprio Josh compreendeu, servirá para renovar as forças e manter a caminhada. Ele tem sido exemplar e constantemente gosta de afirmar: “Não tenho outra opção... Preciso me dar bem”.
De 2007 pra cá (sua temporada de estréia na MLB) Hamilton tem um carreira bem sucedida, indo duas vezes (2008 e 2009) para o Jogo das Estrelas e as duas pela escolha do público. Ele é considerado um dos melhores rebatedores de toda a liga e um dos favoritos dos torcedores. Esta aceitação e sua popularidade tiveram um crescimento em 2008 quando ele foi protagonista de um recorde histórico.
No Home Run Derby de 2008 – competição que faz parte do Jogo das Estrelas e consiste em ver qual rebatedor consegue mais home runs – , o último a ser realizado no antigo Yankee Stadium, ele anotou números fantástico: 28 HR´s na primeira rodada e 13 de forma consecutiva. Foi um momento que cativou todos os presentes e aqueles que estavam acompanhando pela TV.
Depois de tantos altos e baixos, passagens por vales e picos, Josh Hamilton é o exemplo vivo que ir além do esperado é possível; para tanto basta crer, confiar e se dedicar, sabendo que se uma coisa de errado acontecer, ele será o principal prejudicado e que se algo de extraordinário acontecer, ele será o principal beneficiado. Podem falar pelos quatro cantos que a chance de um viciado em crack, cocaína e bebida não se recuperar é de 99%, porém é preciso ressaltar que alguém conseguiu transformar o 1% em algo que vai além de sobrevivência, pois ele não só se limpou, mas retomou a ser um atleta de alto nível, transformando a tal pequena e improvável possibilidade em 101%.
(GL)
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