Do videogame à TV: como um processo judicial pode acabar com o amadorismo da NCAA


A juíza federal Claudia Wilken, do estado da Califórnia, mais uma vez deu parecer favorável ao processo liderado por Ed O'Bannon, ex-jogador de basquete da UCLA (Universidade de Califórnia, Los Angeles), contra a NCAA. A acusação era contra o uso irregular da imagem de ex-atletas feito pela associação de esportes universitários amadores, pela empresa de videogame EA Sports e pela Collegiate Licensing Co., maior firma dos Estados Unidos que cuida de marcas registradas e licenças.

Wilken votou na última sexta (25) contra o cancelamento desse processo, pedido feito pela NCAA. Vitória que fortalece a ação e pode levar ao fim do amadorismo nos esportes americanos universitários, pois os litigantes ganhariam o direito sobre suas respectivas imagens, usadas não somente em videogames ou camisas oficiais das universidades, mas parte do grande bolo de grana que são os acordos da NCAA com as emissoras americanas.

O’Bannon protocolou o processo em 2009. Junto com outros ex-atletas universitários, tinha como meta primordial batalhar por parte do dinheiro arrecadado com o jogo da EA Sports (NCAA Football). No joguinho em questão os jogadores não são marcados pelo nome, apenas pelo número. Mas a altura, peso e características físicas são semelhantes ao respectivo atleta.

A base da ação é um documento que os atletas universitários da Divisão I precisam assinar para que possam atuar nos campeonatos. Com a assinatura “obrigatória” eles passam os direitos de imagem exclusivos e perpetuamente para a NCAA. Lá diz: “Você autoriza a NCAA (...) usar seu nome ou imagem para promover campeonatos da NCAA, outros eventos, atividades ou programas”.

O processo engatinhava na justiça americana e precisava de ingredientes para alcançar posições mais avançadas. A primeira delas aconteceu quando os contratos televisivos entraram na jogada, na intenção de atrair jogadores em atividade para o processo.

Deu certo.

Em Janeiro deste ano a mesma juíza Wilken negou moção da NCAA para retirar desse processo o adendo de direitos de transmissão dos jogos ao vivo. Vitória importante para os acusadores, pois conseguiram o que queriam.

Em Julho seis jogadores em atividade se juntaram ao processo: Jake Fischer e Jake Smith (Arizona), Chase Garnham (Vanderbilt), Darius Robinson (Clemson), Moses Alipate e Victor Keise (Minnesota).

Aí salgou.

Prevendo o pior, as conferências SEC (Southeastern), Big Ten e Pacific-12 romperam com a EA Sports. O movimento foi causado pelo receio de que o envolvimento com a empresa poderia dificultar ainda mais o processo de defesa delas.

Por perder metade das principais conferências e ficar sem apoio forte, a EA Sports anunciou em Setembro que não produziria o joguinho NCAA Football ’14, uma decisão inédita. No mesmo dia a empresa de videogames, junto com a Collegiate Licensing Co., entraram em acordo com os atletas e ex-atletas do processo. Os termos do acerto não foram divulgados, porém a certeza a partir de então era que o firmado na corte federal da cidade de Oakland, Califórnia, deixaria a NCAA sozinha na batalha.

Isso levou a associação a NCAA pedir à juíza Wilken que rejeitasse o processo por completo, usando três argumentos em sua defesa. Sem entrar em mais detalhes jurídicos, Wilken simplesmente indeferiu categoricamente todos eles – saiba aqui (em inglês) quais os posicionamentos da juíza. A premissa dela é que a NCAA usa os direitos de imagens dos atletas para fins comerciais (lucro).

O cenário é incerto após a decisão de Wilken tomada nesta sexta. A tendência é que os acusadores ganham mais força no campo judicial, contudo é indefinido o que acontecerá de fato com todos os jogadores de todos os esportes da NCAA.

Como o dinheiro seria dividido? De forma igualitária ou proporcional? Se for igualitária, como mensurar o que todos os atletas devem receber? Quem joga boliche vai receber o mesmo que um quarterback de uma grande universidade? Se for proporcional, é justo um atleta ‘amador’ receber mais que o outro? E quando eles vão receber o dinheiro, durante a carreira universitária ou depois?

Essas são somente algumas perguntas, todas sem respostas claras. De certo é possível notar o enfraquecimento da NCAA, principalmente por ter uma juíza que em duas decisões favoreceu o lado dos acusadores.

A provável derrota naturalmente levaria a um acordo, decisão sábia feita pela EA Sports e a Collegiate Licensing Co.. E seja agora ou depois, um resultado negativo fará com que a NCAA perca bilhões de dólares. Ela está na zona chamada de “no win situation”.

Porém a NCAA acredita estar certa em sua defesa. E mesmo com o letal desgaste, indica que vai lutar nos tribunais até que o processo chegue à Suprema Corte dos Estados Unidos, instância maior da justiça americana.

Terá de torcer para não encontrar uma Wilken por lá.

(GL)
Escrito por João da Paz

O lado sombrio da campanha Outubro Rosa da NFL


O mês de Outubro chega e com ele vem um “inocente” lacinho rosa, singelo símbolo da conscientização no combate ao câncer de mama. Na onda aparecem diversos objetos, total ou parcialmente pintados de rosa, para dar a entender que tal produto/marca aderiu a campanha.

Desde 2009 a NFL abraçou a causa feminina e conseguiu fazer com que homens quebrassem um milenar tabu, usar a cor rosa sem frescura. O grandes ligas acompanha de perto toda essa história, nos textos Rosa Básico (2009) e Outubro Rosa na NFL (2011). A cada ano dessa campanha, que toma todo o mês de Outubro, a NFL se torna mais agressiva no marketing e - ao menos pra mim - ultrapassou o nível do bom senso na atual temporada e faz pensar na questão: Por que a NFL é tão dedicada ao câncer de mama? E o câncer de próstata?

Não foi a NFL quem criou o tal Outubro Rosa. A cineasta canadense Lea Pool, em seu documentário Pink Ribbons Inc. (2011), explica como o lacinho rosa surgiu. Na verdade a cor original era salmão, mas a criadora do acessório não quis vender a ideia para a poderosa marca de perfumes Estee Lauder, que queria usá-lo em campanhas publicitárias. Contudo a Estee Lauder analisou que não precisaria de autorização se apenas mudasse a cor do lacinho.

Sabemos o que veio depois...

Daí surgiram os mais variados produtos com o lacinho rosa. Empresas mais ousadas pintaram suas peças com a cor dita feminina. Do mercado ao shopping center, tudo rodeado de rosa.

A NFL enxergou uma estratégia de marketing genial para ela, pois conseguiria lucro num negócio maquiado.

O que a NFL decidiu pôr em prática em 2009 é o chamado marketing relacionado com uma causa. É basicamente vender produtos e "reverter todo o dinheiro” para uma instituição de caridade, por exemplo.

Logo, o que começou com um detalhe rosa em chuteiras, luvas e bonés dos jogadores da NFL virou uma “marca”. É possível encontrar os mais diversos produtos com o lacinho rosa, tanto que a liga criou um site só para vendê-los.

O fundo criado, rotulado de Crucial Catch, abrange o dinheiro arrecadado com a comercialização de produtos rosa e com o leilão de peças usadas por jogadores dentro de campo. Entre 2009 e 2012, a NFL arrecadou US$ 4.5 milhões com a campanha – US$ 1.5 mi somente em 2012. Para efeito comparativo, o rendimento da NFL como um todo em 2012 foi de US$ 8 bilhões.

A American Cancer Society (ACS) recebe apenas 5% do que a Crucial Catch acumula. Pegando os produtos comercializados na loja da NFL, imaginando uma margem comum de 100% de lucro no ponto de venda, a NFL fica com 90% do lucro.

Excluindo os gastos administrativos, a ACS aplica apenas 70,8% do que recebe em pesquisas relacionadas ao combate do câncer de mama.

Assim, se você compra um produto rosa na loja da NFL ao valor de US$ 100, US$ 3.54 vai para programas que trabalha na conscientização do câncer de mama; e US$ 45 fica no bolso da NFL.

É grande a comoção criada ao redor da campanha Crucial Catch e assim NFL atinge em cheio o público feminino. Como mostrado aqui no texto Marie Claire e as mulheres na NFL, esse é um público que a liga almeja inserir ativamente dentro do seu catálogo de consumidores.

O câncer de mama é um assunto muito sério e deve ser tratado com todo o respeito que merece. Mas e o câncer de próstata? Não deve também ser tratado com todo o respeito que merece. Entretanto um recebe mais atenção que o outro. O investimento do governo americano no tratamento do câncer de mama no ano fiscal de 2010 foi de US$ 891 milhões; o câncer de próstata recebeu US$ 399 milhões.

De acordo com levantamento feito pelo Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos, entre 2006 e 2010, a cada 100 mulheres 22.6 morreram em decorrência do câncer de mama; no mesmo período, a cada 100 homens, 23 morreram em decorrência do câncer de próstata.

Os casos letais são iguais, porém há desigualdades quando o assunto é dinheiro e campanha.

Seria a NFL obrigada a criar o mês de prevenção do câncer de próstata? Talvez sim – ou não. Contudo é despejado esse marketing feroz na causa do câncer de mama e a doença que ataca fatalmente os homens – maioria na liga – não merece um cuidado similar?

É que na mistura de cores feita pela NFL, rosa com a cor preta do constrangimento resulta no verde impresso nos dólares americanos.

Que tal um lacinho preto, simbolo do efeito da misteriosa força passiva feminina?

(GL)
Escrito por João da Paz