O dilema de Michael Sam: levantar a bandeira homossexual ou voltar para o armário?


Além de ser o palco onde os times da NFL escolhem seus futuros craques, o draft de 2014 teve um tempero a mais, um ingrediente histórico. Havia a expectativa de qual clube escolheria o DE (defensive end) Michael Sam, fazendo assim dele o primeiro jogador assumidamente gay a integrar um time da maior liga esportiva do mundo.

O drama aumentou com o passar dos dias do draft. Seis rodadas de seleção, dois dias completos e nada de Sam ser escolhido. A imprensa já pré-julgava se o preconceito estava sendo fator determinante para essa demora, se as franquias tinham tomado um posicionamento de evitar as tais “distrações”.

Porém o momento chegou. Na sétima rodada – e última –, na posição número 249, no terceiro dia do draft, o Saint Louis Rams escolheu Sam. A cena marcante foi transmitida ao vivo para todo os Estados Unidos e mundo: ele comemorando com um beijo em seu namorado Vito Cammisano.

Assim a história se fez. Sam está na NFL e desde o começo desta semana luta por um espaço no elenco de 53 jogadores, para que possa atuar durante toda a próxima temporada da liga defendendo a camisa dos Rams.

Mas, fora isso, Sam tem obrigações extras?

Apenas ser, eis a questão

A homossexualidade de Sam é o assunto do momento na NFL, queiram ou não. Em seu primeiro treinamento com o time de Saint Louis, na terça dia 29, Sam, camisa 96, atraiu uma multidão de repórteres e uma simples entrevista de seis minutos teve o cenário que você vê na imagem abaixo.


Entre tantas perguntas, a maioria esmagadora tratava sobre o que ele representa para a comunidade gay, qual deve ser o seu papel: ser um advogado da causa ou passar despercebido e se concentrar apenas no jogo.

Para expandir essa discussão, conversei com dois amigos gays: Gilvan Marques, 27, que assumiu sua homossexualidade há oito anos, e Alex (nome fictício), 30.

Alex entende que “[Sam] não deve levantar a bandeira gay. Cada um sabe o que fazer da vida e não ficar achando que todos devam se assumir”. Esse é um argumento que vai de encontro a quem acha a oportunidade muito rara para ser desperdiçada, ou seja, Sam deveria reafirmar constantemente a homossexualidade e encorajar outros a fazerem o mesmo.

Gilvan acredita que Sam tem de “fazer aquilo que ele se sinta mais à vontade” e concorda com o ponto de vista de Alex, mas estende um pouco esse raciocínio. “É óbvio que devemos lutar por direitos iguais para todos, independentemente da cor, religião e orientação sexual, e não de um seleto grupo de nossa sociedade. Ser gay não é coisa de outro mundo e é essa a mensagem que devemos transmitir”.

Exemplo pelo exemplo

“Ele [Michael Sam] tem de agir naturalmente. Dessa forma ele vai conseguir respeito. O esporte já é um lugar de todos, não precisa de ativismo”, observa Alex. Porém, como aponta Gilvan, “Michael Sam e Ian Thorpe (nadador australiano) ajudam a abrir debates sobre o assunto”.

Há dúvidas de como o torcedor da NFL reagirá a Sam. Fato é que na NCAA (nível universitário) não houve qualquer resistência. Ele abriu o jogo para seus companheiros da facul, Missouri Tigers, antes de entrar em sua temporada de veterano no ano passado. O sigilo foi mantido. Enquanto o público não sabia de nada sobra sua homossexualidade, Sam teve seu melhor campeonato, junto com Missouri, que venceu sete jogos a mais que em 2012 e ele foi eleito o melhor defensor do ano da Conferência SEC, a qual Missouri pertence.

Publicamente, Sam assumiu em Fevereiro deste ano, no dia 9, em entrevista para o programa Outside The Lines na ESPN. Desde então, diversas linhas de debate surgiram sobre qual sua representatividade na NFL perante a comunidade gay.

Vale dizer que Sam não se esquiva quando indagações do tipo surgem. Como dito na entrevista da última terça, ele deixa claro que seu objetivo é entrar no time do Saint Louis Rams e que as dúvidas sobre seu jogo serão deixadas para trás “quando eu deixar um cara estirado no chão após um tackle”.

Sam não voltou ao armário, mas está discreto. Demonstra seus sentimentos e pensamentos livremente em suas contas nas redes sociais. Em campo, tem sido um jogador exemplar, ciente que não tem espaço no time titular. Por isso, tem se esforçado para desempenhar seu melhor e conseguir uma vaga no grupo, nem que seja no time de especialistas.

Fundamental é que ele seja Michael Sam. E as impressões até agora são excelentes. Ao contrário dos pensamentos mais retrógrados, não são apenas homossexuais que torcem para o sucesso do jogador. Um torcedor dos Rams que pegou um autógrafo com Sam no CT do clube na terça, disse para uma emissora de TV local: “Num ambiente machista que é a NFL o cara tomar uma posição como ele fez? Sou mais fã dele por isso e desejo toda sorte”.

No texto que escrevi em março de 2013 intitulado Aspectos sociológicos acerca de jogador gay na NFL, pontuei algumas características que esse atleta teria de ter – e Sam cumpre todas elas, assim como os Rams. “...ser bom; ser de um franquia capaz de ajudá-lo nas relações públicas; ter companheiros e técnicos que o darão retaguarda; ser carismático e de bom relacionamento com a mídia...”.

Para a comunidade gay, há dois atributos que esperam de Sam, resumidos sistematicamente por Gilvan:

“Que ele seja apenas um bom exemplo de caráter e profissional”.

(GL)
Escrito por João da Paz

Para a NFL, usar maconha é mais grave que violência contra a mulher


Punição por usar drogas = 1 ano.

Punição por bater em mulher = 2 jogos.

Uma conta simples e lógica indica o absurdo. A NFL anunciou na última quinta, 24, que o jogador Ray Rice, do Baltimore Ravens, está suspenso por dois jogos na próxima temporada, em consequência de uma briga com sua então noiva, hoje mulher, Janay Palmer (ambos de mãos dadas, foto acima), em Fevereiro deste ano. Rice foi preso, assim como sua parceira, acusado de atacá-la. Ele não foi condenado pela justiça e evitará ficha suja se cumprir um programa de intervenção.

Somente neste ano dois atletas sofreram suspensões mais severas por uso de “substâncias proibidas” (maconha): Josh Gordon, um ano, e Justin Blackmon, tempo indeterminado.

Essa discrepância evidencia o problema que a NFL tem em julgar jogadores que descumprem o código de abuso de substâncias (Gordon e Blackmon) e o código de conduta pessoal (Rice). Em meio aos detalhes técnicos que ambas as cartilhas apresentam, a liga se coloca numa posição delicada frente a 45% do seu público, segundo levantamento do departamento de marketing da liga.

As mulheres cada vez mais têm adotado a NFL como esporte favorito. O instituto eMarketer, que fez um estudo em 2013 da audiência de jogos da NFL nos EUA, descobriu que 47% dos telespectadores são mulheres entre 25 e 44 anos. De olho neste mercado, a NFL tem adotado medidas de marketing direcionadas às mulheres, esperando ter um retorno financeiro que tanto almeja.

Porém a boa vontade aos poucos está desmoronando. A campanha Outubro Rosa, quando a NFL dedica o décimo mês do ano para contribuir com a luta contra o câncer de mama, não é mais reconhecida como um favor que a liga faz às mulheres, pois os negócios obscuros feitos com os produtos rosa ganham manchetes, acabando com o glamour do “gesto filantrópico” e expondo o marketing capitalista explícito.

Nessa equação há o mau trato das franquias contra as cheerleaders, algo que há anos é praticado, mas somente agora as moças estão entrando na justiça por direitos básicos (salário mínimo, por exemplo).

Dar a Rice uma suspensão de um ano serviria como exemplo. Contudo, a NFL seguiu o que faz corriqueiramente ao não agir com firmeza em casos de violência contra a mulher.

Greg Hardy (Carolina Panthers) e Daryl Washington (Arizona Cardinals) são os mais recentes nomes pegos em violência doméstica na NFL. O próprio Ravens tem um caso em sua história, quando em 2008 o cornerback Fabian Washington foi suspenso por uma mísera partida após se envolver em uma briga com sua mulher.

É necessário mudar os parâmetros. Não é mais tolerável uma repreensão tão sutil a um crime tão grave e um castigo tão implacável a uma violação leve (além de ser legal em dois estados dos EUA que são sedes de franquias da NFL, está na hora de a liga mudar sua postura contra a maconha).

Os códigos/cartilhas da NFL não andam de mãos dadas com o mundo judicial. Por ser uma instituição privada, a liga toma suas decisões com base em avaliações e julgamentos próprios. Ou seja, um jogador pode ser “condenado” mesmo que seja absolvido pela leia civil – e vice-versa.

O site TMZ divulgou vídeo de Rice arrastando Janay, que aparenta estar inconsciente naquela noite de Fevereiro. Informações divulgadas pela ESPN dão conta que Rice nocauteou Janay com um soco na cara. Por mais que não exista evidencia da agressão, a percepção do público é a de que Rice a violentou e passa – pode se dizer – impune por isso.

Janay decidiu manter o noivado e casar-se com Rice semanas após o incidente. O que ambos decidem e conversam não é de domínio público. Mas, mesmo que a NFL não tenha visto vídeo da agressão, por que a liga agiu com tanta cumplicidade? Qual vídeo que o comissário da NFL, Roger Goodell, precisa ver para que um jogador seja punido por agredir uma mulher? Imagina...

O futuro pode revelar o tal vídeo do golpe de Rice. Ou revelar que a razão de Janay estar inconsciente é a bebida alcoólica.

Independente disso, a oportunidade da NFL foi perdida. Poderia se posicionar contra qualquer tipo de ataque contra mulher, porém se tornou complacente.

Assim é que os fãs, homens ou mulheres, veem esse caso no presente momento.

(GL)
Escrito por João da Paz

NBA, basquete americano e o futebol brasileiro


A eliminação da seleção brasileira de futebol da Copa do Mundo 2014, fruto de um sonoro 7 a 1 a favor da Alemanha nas semifinais da competição realizada no Brasil, desencadeou em discursos loucos, desvirtuados e inconsequentes da mídia especializada, que, logicamente repercutiu nos torcedores, público.

O principal elemento do grito utópico é de que o futebol brasileiro precisa de uma reformulação, de uma revolução. “É necessário resgatar a essência perdida após o penta conquistado em 2002”, esbofaram alguns. “Vamos voltar ao futebol moleque apresentado nos gramados da campeão moral de 1982”, dizem outros. Ambos os argumentos, e o que se encontram entre eles, são resultados de uma paixão transformada em falas jornalísticas, prestando um mau serviço, pois deixam de citar a realidade e se escoram num heroísmo fajuto.

Os jogadores brasileiros têm tanto domínio no futebol como os atletas americanos tem no basquete. Interessante que em 2002, o time dos Estados Unidos não apenas perdeu o Mundial de basquete realizado em casa, mas ficou em 6º lugar. O que aconteceu na época? Havia escassez de talento em solo yankee? O futebol brasileiro precisa dar um reset, visto que não forma mais craques, aqueles de elite?

A seleção brasileira de futebol precisa fazer exatamente o que a federação americana de basquete fez com sua equipe depois de seguidos vexames internacionais.

Balanço do futebol brasileiro

O torcedor comum tem direito a qualquer opinião, assim como o jornalista que exerce a função de analista. Porém, a diferença é que o profissional precisa apontar sua avaliação – sobre qual assunto for – de uma maneira mais ampla, didática e embasada.

O Brasil, independente do tratamento que as categorias de base recebem, revela centenas de talentos anualmente. Montar um elenco com os melhores jogadores em suas respectivas posições não é tão simples, mas faz parte dos desafios de ser o treinador da Seleção. Os 23 convocados para disputar a Copa do Mundo no Brasil representam a melhor safra que há no momento de jogadores nascidos em terra brasilis. Se opor a isso é ir contra os fatos.

Clubes do mais alto nível do futebol europeu, o mais rico e importante do mundo, disputam ferozmente quem vai ficar com esses jogadores que formaram o time do Brasil na Copa de 2014. A maioria deles tem um currículo recheado de conquistas importantes atuando diretamente na busca por cada um dos troféus cobiçados do futebol mundial.

Júlio César: quatro vezes campeão italiano, 2006 -2010; Liga dos Campeões e Mundial de Clubes em 2010; todos com a Internazionale... David Luiz: Liga dos Campeões em 2012 com o Chelsea... Thiago Silva: campeão italiano em 2011 com o Milan... Dante: campeão alemão duas vezes, um título da Liga dos Campeões e um Mundial de Clubes, todos com o Bayern Munique... Daniel Alves: quatro títulos do campeonato espanhol, duas Ligas dos Campeões e dois Mundiais de Clubes, todos com o Barcelona... Maicon: cinco títulos do campeonato italiano, uma Liga dos Campeões e um Mundial, todos pela Internazionale... Marcelo: três títulos do campeonato espanhol e uma Liga dos Campeões, todos com o Real Madrid... Fernandinho: campeão inglês com o Manchester City... Luiz Gustavo: campeão alemão e da Liga dos Campeões com o Bayern Munique... Ramires: Liga dos Campeões com o Chelsea...

E tudo isso de 2002 pra cá.

De 2002 pra cá, “nessa crise” (forjada pela imprensa) do futebol brasileiro, a Seleção ganhou cinco competições oficiais da Fifa: três Copa das Confederações (2005, 2009 e 2013) e duas Copa América (2004 e 2007). Além de estar entre as quatro seleções melhores do mundo em 2014, chegando às semifinais de um Copa do Mundo pela primeiras vez desde... 2002.

De 2002 pra cá, o Brasil teve seis campeões da Taça Libertadores da América: São Paulo em 2005, Internacional em 2006, Internacional em 2010, Santos em 2011, Corinthians em 2012 e Atlético Mineiro em 2013. Perceba que os últimos quatro campeões da principal competição de clubes da América Latina são brasileiros...

De 2002 pra cá, o Mundial de Clubes foi conquistado pelo Brasil três vezes, num total de nove edições (São Paulo em 2005, Internacional em 2006 e Corinthians em 2012). Itália e Espanha tiveram dos campeões; Inglaterra e Alemanha um cada.

De 2002 pra cá, somente um time que conquistou a Liga dos Campeões da Europa, o Liverpool de 2004-05, não tinha um brasileiro no elenco, todos os outros 11 times tinham um representante do Brasil participando diretamente do elenco vencedor.

De 2002 pra cá, o Brasil teve três jogadores eleitos melhor do mundo: Ronaldinho duas vezes (2004, 2005) e Kaká (2007). Os dois, junto com Ronaldo e Rivaldo, estavam no elenco campeão da Copa de 2002, única vez (e talvez nunca se repita) que uma equipe teve quatro jogadores com o título de melhor do mundo.

Se ir até 1982 é pior. Até 2014, o Brasil é o único país que venceu a Copa do Mundo duas vezes.

O que a Seleção precisa fazer então? Se espelhar no exemplo americano.

Do sonho à redenção – passando pela soneca e pelo pesadelo

No texto Patriotismo sim, até a página 3, explico com mais detalhes o processo de mudança de postura do basquete americano em competições internacionais: Mundial e Jogos Olímpicos. Tudo começou quando os Estados Unidos passaram por um vexame histórico (manchete que serviu para resumir o que aconteceu com o Brasil no jogo contra a Alemanha). Também em casa, a maior força do basquete não apenas deixou de ser campeão, ficou em 6º lugar.

Foi quando o Time dos Sonhos, campeão olímpico em 1992 e seus derivados (campeão do mundial em 1994 e das Olimpíadas de 1996 e 2000), deu lugar ao Time da Soneca.

Na ocasião, a NBA estava cheia de talentos que poderiam dar o título ao país em sua casa, mas se recusaram a participar do evento – nomes como Tim Duncan, Kevin Garnett, Kobe Bryant, Tracy McGrady e Michael Jordan.

Dois anos depois o fundo da decepção foi atingido. Nos Jogos Olímpicos de Atenas 2004, mais uma leva de jogadores da NBA se recusaram a servir a seleção e o que se viu em quadra, apesar da medalha de bronze, foi um show de horrores proporcionado pelo selecionado americano. O apelido de Time do Pesadelo resume bem. Após outro 3º lugar, agora no Mundial de 2006, uma mudança de postura era necessária ser aplicada.

A NBA não deixou de produzir talentos. Os Estados Unidos, neste período de cinco anos, ainda entregava ao mundo formidáveis atletas do esporte da bola laranja. O que não se tinha era o comprometimento pela excelência, de ganhar todas as competições e mostrar em quadra qual é o melhor basquete do mundo.

“Não tem mais bobo no futebol” é uma frase que se aplica a vários outros esportes, e o basquete é um deles. Com a expansão da NBA e a absorção de talentos internacionais, outros países se tornaram mais forte no esporte e se evaporou o tempo que os EUA apenas entravam em quadra e atropelavam seus oponentes.

Iugoslávia, bicampeã do mundo (1998, 2002). Espanha, campeã do mundo em 2006. Argentina, medalha de ouro em 2004. Países que passaram a fazer frente ao jogo peladeiro dos EUA. Se nada fosse feito, o país do basquete não voltaria ao topo.

Outra postura foi adotada. A federação de basquete firmou compromisso com os melhores jogadores da NBA para que eles se juntassem e retomassem o domínio no aspecto global do jogo, com um técnico altamente renomado e conhecedor do jogo internacional. Contudo, um acordo em longo prazo precisava ser firmado. Assim, as maiores estrelas da NBA se colocaram a disposição do desafio e formaram o chamado Time da Redenção, medalha de ouro em 2008 e 2012, campeão mundial em 2010.

E, lógico, é o grande favorito para ganhar o Mundial deste ano, que começa em agosto na Espanha.

Mudanças sem pandemônio

O futebol brasileiro não precisa de um reboot e sim de uma mudança de postura. O desastre visto no dia 8 de julho no estádio do Mineirão está marcado como a maior derrota da história do futebol brasileiro. Mesmo assim, o desespero alucinado é desproporcional.

Há qualidade e talento suficiente para que o Brasil permaneça na elite do futebol mundial. Os jogadores brasileiros são presença certa nos melhores clubes do mundo. O passo para vencer é comprometimento de todos, federação, técnico e jogadores, para que se possa subir o degrau a mais que separa a disputa de um 3º lugar para brigar pelo título.

Após 12 anos, o Brasil completou uma etapa. Se mantiver o trabalho, aparar as arestas e consertar os defeitos, em 2018, na Rússia, a Seleção entrará na competição novamente favorita a levantar a Copa do Mundo.

Para tanto, basta não entrar na onda do caos e deixar a angústia insana aos catastróficos.

(GL)
Escrito por João da Paz

O que diferencia um discurso motivacional energético do assédio moral?


Não importa com qual letra rotulam a geração de jovens adultos enraizados no virtual e entrelaçados em redes sociais online, fato é que estes são mais sentimentais dos de outrora. A correção paternal era severa, a tiração no pátio das escolas liberada e encarada sem problemas. Tornaram-se adultos mais calejados.

Hoje há lei que regula diretamente como pais devem educar seus filhos. A zoação virou grife com nome estrangeiro (bullying). Vão se tornar adultos mais fracos?

A Universidade de Charleston, estado americano da Carolina do Sul, iniciou investigação para descobrir se realmente o treinador da equipe masculina de basquete, Doug Wojcik (foto acima), cometeu agressões verbais contra os jogadores da equipe.

Segundo relatos do próprio elenco, que se reuniu com o comitê diretor da universidade na última segunda, 30 de junho, não houve por parte do técnico nenhum ataque físico, homofóbico ou racista. As acusações giram em torno do assédio moral, ofensas contra as personalidades dos atletas, humilhação e palavras pejorativas a cada um deles e seus familiares.

Logo vem à memória um caso mais grave que aconteceu na NCAA envolvendo também um treinador de basquete masculino. Porém, houve agressões físicas, registradas em vídeo, e ele, Mike Rice, da Universidade Rutgers (estado de New Jersey), foi demitido (saiba mais lendo “Jornalismo esportivo de impacto” no Observatório da Imprensa. Mostra como a ESPN foi decisiva na demissão de Rice).

Nesse caso atual da Universidade de Charleston só há palavras ríspidas e um discurso mais apaixonado do seu treinador. Há necessidade de punir Wojcik?

O comitê diretor da universidade discute só dar uma palmada (suspensão de um mês de salário e forçá-lo a ir em cursos de anger management). Contudo, o diretor de esportes de Charleston, Joe Hull, com quem os atletas conversaram, já queria dispensar Wojcik na segunda mesmo.

Os que são da velha escola criticam a decisão dos jogadores de Charleston por todo esse “choro”, dizem que estão ficando muito “frouxos”. Afinal, em outrora era apenas abaixar a cabeça e ouvir os impropérios calados (seja de pais, professores, treinadores...).

Agora é diferente. Uma postura agressiva e arrogante é vista como desnecessária. O xingamento, o grito, a brutalidade não são bem recebidos.

Na verdade, depende de cada um, do indivíduo. Tem os que reagem melhor a uma intervenção de choque, a uma provocação. Em contrapartida existem os que preferem uma aproximação suave, didática.

Podemos fazer uma relação com chefes que temos ou tivemos (ou com pais, professores, treinadores... que passaram – ou estão – em nossas vidas). Eu tive dois patrões ignorantes e trogloditas, daqueles bem ogros na hora de chamar a atenção, dar uma bronca. Com um eu resisti certo tempo, com o outro também, mas levou a desistência, porque cruzou a linha do comportamento rude ao assédio moral.

Quem vai dizer o que é o que? Só quem passa pela situação, só quem viveu. Logo, os jogadores de Charleston são os apropriados para testemunharem sobre o que aconteceu quando eles estavam com seu treinador em palestras e atividades.

Os defensores de Wojcik relatam que ele é nada mais do que respeitoso com seus atletas, que eles são como seus filhos. Pessoas próximas dizem maravilhas de Wojcik, mas tudo em questões fora de quadra.

Interessante. Pois esses chefes que citei são pessoas agradáveis quando não estão embaixo do stress laboral. São gentis, carinhosos, educados, agradáveis...

É a primeira vez que algo do tipo é relacionado com o trabalho de Wojcik, que há nove anos é treinador na NCAA. Durante sete temporadas treinou o time da Universidade de Tulsa e, além de ser o técnico mais vitorioso do programa, não recebeu nenhuma crítica sequer pelo seu comportamento por lá.

Em Charleston, com quem firmou um contrato de cinco temporadas (duas já cumpridas) – salário anual de US$ 400 mil –, começaram surgir as acusações.

O porquê talvez seja fácil entender.

Quando treinava Tulsa, Wojcik teve um início fácil e muitos dos atletas foram recrutados por ele direto das escolas de ensino médio (high school). Já em Charleston, a maioria do elenco foi escolhida pelo antigo treinador, Bobby Cremins, considerado um cara mais relaxado, leve, tranquilo.

Esse choque motivacional, uma mudança brusca de estilos, afetaram os jogadores. O discurso incentivador mudou de tom drasticamente, de um oposto ao outro. Aí cabe a universidade pesar e avalizar: são os atletas que estão mal acostumados ou o treinador que cruzou a linha do politicamente correto?

Se Wojcik sair desse problema e permanecer na universidade, como ele irá lidar com os jogadores que o denunciou? Eles vão querer jogar para Wojcik? Se a universidade demiti-lo, vai apenas ficar de bem com a opinião pública por se posicionar a favor da mansidão?

A Universidade de Charleston está numa posição comum aos seres humanos que tem de pensar bem ponderadamente ao responder a pergunta:

O que diferencia um discurso motivacional mais emotivo do assédio moral?

(GL)
Escrito por João da Paz