O que é o que é, clara e salgada?


Momentos especiais causam reações especiais. Após uma grande conquista, um grande resultado atingido no campo de jogo, atletas se emocionam. Alguns colocam a mão na cabeça em sinal de incredulidade, não acreditando que aquele belo instante está acontecendo. Outros correm, gritam, pulam, abraçam... Alguns choram e câmeras não flagram, outros choram e a câmera vê.

Vernon Davis, tight end do San Francisco 49ers, chorou. Não escondeu a emoção de recepcionar o passe que deu a vitória ao seu clube e classificação à final da Conferência Nacional (NFC). Um touchdown que entrou para história da franquia e da NFL. Na hora Davis não pensou nisto tudo, o filme que passou em sua mente foi outro.

Os jogadores da sua posição estão nas manchetes, destaques da mídia. É a nova era dos tight ends como dizem. Davis é pouco citado nesta lista. O motivo da ausência não é porque sua habilidade é escassa ou baixo potencial, mas os números na temporada regular não foram tão excelentes: o nono em total de jardas recebidas entre os TE’s.

Então Davis caminhava na tangente, quieto no seu canto num time que fez a segunda melhor campanha da NFC. O tempo passava e lembranças eram renovadas. Uma, porém, permanecia viva em sua memória.

O problema maior é que a amarga recordação aconteceu em sua “casa”, no estádio Candlestick Park em 26 de Setembro de 2008. Na partida contra o Seattle Seahawks, Davis cometeu uma falta que deixou o treinador Mike Singletary (hoje técnico dos linebackers do Minnesota Vikings) muito aborrecido. Na linguagem futebolísica, Singletary deu dois esporros em Davis no banco de reservas para que todo o estádio e companheiros pudessem ver, assim como câmeras de TV pudessem registrar. Entre tantas broncas, talvez esta tenha sido a mais forte:

Disse a ele [Davis] que faria um melhor trabalho para nós se fosse tomar banho e depois viesse assistir o jogo, do que entrar em campo

Singletary revelou esta conversa na coletiva pós-jogo, entrevista esta que virou hit na internet e percorreu todos os programas esportivos dos EUA. Em grande parte o assunto foi Vernon Davis e o treinador tinha mais a falar:

Prefiro jogar com 10 em campo e sofrer penalizações toda hora do que jogar com 11 quando eu sei que esta pessoa [Davis] não está completamente inserida no contexto de time. Não é possível vencer assim! Não é possível treinar assim! Não dá! Quero vencedores! Quero pessoas que desejam vencer!

Por mais que Davis tenha aprendido a lição e na partida seguinte apresentou um bom jogo, o que ficou marcado não foi isto, mas a imagem criada pela entrevista, que ele não é um cara de grupo, individualista. Alguém sem gana de vitórias.

Quando o QB Alex Smith orientou o ataque no huddle decisivo que a bola iria para Davis, era a chance de redenção. O torcedor dos 49ers sabem que ele tem um papel importante no elenco, porém era hora de provar isto para toda a nação americana, para o mundo que estava ligado na eletrizante partida contra o New Orleans Saints. Na goal line, Davis abraçou o “ovo” (foto abaixo), ninguém tirava. E ao se direcionar para a linha lateral as emoções não foram contidas.


O foco de uma das câmeras instaladas no estádio estava nele e o diretor de TV da FOX, emissora que transmitia a partida, prontamente colocou no ar o rosto marejado. Um homem forte, duro, mas que sabe que não precisa ser frio para provar alguma coisa. Ele permitiu que o momento único que estava rolando lhe tomasse. Ele venceu. Ele venceu e levou todo time consigo.

Pra quê esconder a felicidade, o alívio de um fardo carregado que só ele sabe o quanto pesado é. Podem chamá-lo de chorão, na há problema. Davis reconhece sua própria direção de vida e não omite quando chega a ocasião que lhe mostra: "Você venceu, aproveite!"

Não é a primeira vez que Davis chora em frente às câmeras de TV. No draft de 2006 aconteceu o mesmo. Pouco antes do então comissário da NFL Paul Tagliabue subir no palco e anunciar quem o San Francisco escolheu na sexta escolha, diretores da franquia ligaram para o tight end informando que seu nome seria o próximo anunciado no microfone. A imagem mostra o jogador atendendo ao telefone, ouvindo a boa notícia e com um lenço branco enxugando a face molhada. Era alegria, sonho realizado.

Tagliabue diz: “Com a sexta escolha no draft de 2006, o San Francisco 49ers escolhe... Vernon Davis, Universidade Maryland”. Davis abraçou familiares e amigos ao seu redor, saiu da mesa na qual estava e caminhou rumo ao palco. Pegou a camisa branca número 1 da equipe e tirou fotos enquanto a galera gritava seu nome e o aplaudia. Olhando para o horizonte, Davis conseguia agradecer o carinho com um balanço positivo com a cabeça, movia os lábios suspirando um baixinho thank you. Seu pensamento, contudo, estava na maior vitória que pudera conseguir: ser um jogador da NFL.

Como muitos garotos, sonhava em atingir este estágio da vida. Como muitos garotos, não foi fácil sobreviver para se permitir a sonhar. Tinha problemas com a mãe, sua avó quem o criou... Ele ainda precisava olhar seus irmãos e irmãs, sua principal responsabilidade. O esporte era o meio que acreditava ser possível mudar de situação e na escola de ensino médio (high school) Davis fez atletismo, jogou beisebol e football. Pesando a melhor oportunidade, ficou com o football para entrar na faculdade e depois virar um esportista profissional. Fez seu trabalho muito bem.

Sua carreira na NCAA foi ótima e terminou com 1.371 jardas em 81 recepções. Grandes números. Ser a 6ª escolha também é histórico, visto que Davis, junto com Kellen Wislow (também 6º, Cleveland Browns – 2004) são os tight ends com escolhas mais altas no draft da NFL desde 1980.

A lágrima caiu em 2006. A lágrima caiu em 2012. Ambas com sabor de mar. Um doce sabor de mar.

Davis não é um sentimentalista barato, gosta da resenha. Uma brincadeira o levou a ser capitão honorário da equipe de Curling dos Estados Unidos nos Jogos Olímpicos de Inverno de 2010. Ele fez uma campanha para a federação do esporte e no jogo contra a França esteve presente no vestiário para dar um discurso motivacional aos membros da seleção. Resultado: vitória americana.

Nesta de triar onda pra cá e pra lá, as câmeras o pegaram num momento embaraçoso (este sim). Junto com o colega de ataque Joe Staley, offensive lineman, cantou uma música da Adele. É, A-D-E-L-E.

Só há uma forma de explicar, assista ao vídeo e chore de tanto rir:




(GL)
Escrito por João da Paz


© 1 Jed Jacobsohn / Getty Images

3 comentários:

Joe Bispo disse...

Seus textos são excelentes! Muito bem escritos, sempre bem embasados, e com um conteúdo sempre de alto nível. Parabéns pelo trabalho ;)

Mauro Medeiros disse...

Cara, o Davis tava ate cantando bem, só que o refrao foi ridiculo rsrsrs
O cara merece o sucesso, foi draftado em 2006 e nem sabia o que era playoffs! Joga muito.
Otimo texto.

Anônimo disse...

Parabéns pelo post cara, excelente texto, conheci hoje o seu trabalho e adorei a escrita...keep the car running!

Ronny - Curitiba

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