Os protestos contra a Copa do Mundo no Brasil e os esportes americanos


Sim, tem tudo a ver.

O evento teste para a Copa do Mundo no Brasil em 2014, a Copa das Confederações deste ano, teve manifestações ao redor dos estádios participantes como um ingrediente a mais da competição. Os jogos em Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Recife, Salvador e Fortaleza foram marcados por forte movimentação de pessoas contra o investimento público astronômico direcionado ao maior torneio esportivo do mundo, enquanto que o serviço público no país deixa a desejar.

O foco maior de cobrança girou em torno do financiamento governamental para as tais “arenas”, ação muito comum nos Estados Unidos. Lá, porém, não há uma comoção da população local contrária à construção/renovação dos estádios e/ou ginásios. Talvez deveria... Talvez porque lá o retorno dos impostos é digno...

Mas isso pode mudar, graças a repercussão mundial que os protestos no Brasil gerou e a ideia de construir um novo estádio em Atlanta para os Falcons, que reacendeu a discussão se realmente é necessário dinheiro público para ajudar construir obras de interesse privado – no caso dos esportes americanos, mais grana para donos de franquias bilionários.

Esse caso dos Falcons é emblemático. A atual sede dos jogos, Georgia Dome, é um espaço relativamente novo, fundado em 1992 após 4 anos de construção. Quem tem o controle é o estado da Georgia, mas a administradora Georgia World Congress Center quer um novo estádio com teto retrátil (foto abaixo). Se o município não conseguir emplacar o projeto, os Falcons podem mudar de cidade em 2017, quando acaba a concessão com o Georgia Dome.


Os moradores de Atlanta não estão nada satisfeitos com essa proposta e criaram uma organização, Common Cause Georgia, para fiscalizar de perto as negociações. Uma das reclamações é por que um estádio novo, que recebe dezenas de grandes eventos esportivos anualmente, de repente não é mais suficiente – e pior, se o novo projeto for aprovado, o Dome será demolido.

Outra reivindicação forte é contra o financiamento público. No dia 18 de Junho a prefeitura de Atlanta concordou com o projeto de US$ 1 bilhão para a construção do novo estádio – sendo que 300 milhões virão dos cofres públicos, em conjunto com a criação de uma nova taxa. Os hotéis e motéis da cidade serão os responsáveis pelo novo imposto, dinheiro que será pago em sua maioria por turistas.

Os 30% de responsabilidade da prefeitura é considerado muito pelo grupo Common Cause, que justamente luta para que não haja gastos em uma obra faraônica e que direcione mais investimentos para a educação e saúde local.

Outra cidade e franquia que recentemente teve esse mesmo debate foi Minnesota com os Vikings. Vimos aqui no grandes ligas como a construção de um novo estádio por lá serviria como lição para a Copa do Mundo no Brasil. O ponto central é que a cidade que sedia um clube profissional tem de participar dos investimentos na construção de um novo estádio porque se beneficiará dele; e do que é construído em volta.

Doutrina similar a pregada por Jérôme Valcke, secretário geral da FIFA. Em entrevista ao site do Jornal O Estado de S. Paulo, Valcke defendeu o dinheiro público na construção/reforma dos estádios para a Copa no Brasil, usando a palavra “empréstimo”, embutindo assim a sua argumentação de que o retorno da grana gasta compensa.

Nos EUA, entretanto, existem mais valores intangíveis em jogo.

Pegando como exemplo o que acontece em Atalnta – similar ao que ocorreu em Minnesota – os gerentes das franquias envolvidas ameaçam uma saída da cidade caso o dinheiro público não esteja disponível. Essa carta pode ser usada porque a cidade de Los Angeles, atualmente sem time na NFL, vai construir um estádio à espera de uma franquia. Dessa forma, para não perder o clube, as cidades se submetem ao bem querer dos donos.

O exemplo melhor a ser usado é o da NFL. Ter uma franquia de futebol americano é mega importante para uma cidade, principalmente as de médio/grande porte. Faz com que fique constantemente na mídia, cria um negócio local significativo e, comprovadamente, afeta a autoestima dos moradores. Com toda essa equação, é praticamente impossível ter um estádio da NFL sem financiamento público inserido.

Dos 32 clubes da liga, apenas 2 possuem estádio que foi erguido sem um centavo de dólar oriundo dos cofres públicos: o Met Life Stadium, sede dos New York Giants e New York Jets. Apesar de todos essas 32 franquias estarem entre as 50 mais valiosas segundo a lista da Revista Forbes de 2012, apenas 3 dos outros 31 estádios foram construídos sem investimento público, mas depois receberam aprimoramento com investimento municipais/governamentais.

Alguns exemplos:

- O Dallas Cowboys Stadium (US$ 1,1 bi) teve o modelo de financiamento público copiado pelos Falcons: criação de taxas em hotéis/motéis.

- O Indianapolis Colts ganhou o Lucas Oil Stadium com um investimento da prefeitura de US$ 700 milhões de dólares.

- A cidade de Jacksonville enfrenta um dilema. Os Jaguars querem um novo e ultra moderno placar e reformas pontuais no estádio. O custo é de US$ 43 milhões e deve vir da prefeitura. Os políticos não sabem da onde tirar o dinheiro e pensam em cortar verbas de bibliotecas municipais (algumas seriam fechadas).

- O Sun Life Stadium, sede dos jogos do Miami Dolphins, precisa, segundo o dono da franquia de uma renovação nas dependências. Custo: 400 milhões de dólares. Ele disse estar disposto em arcar com 51% da obra, já o restante...

Tem dono que – olha só o sacrifício – gasta os dólares do próprio bolso para investir no estádio do seu clube. Um caso recente é do Jeffrey Lurie, do Philadelphia Eagles, que anunciou um plano avançado de instalação de tecnologia Wi-Fi 4G no estádio Lincoln Financial Field.

Neste mundo do “quem tem mais quer mais” é difícil imaginar que a FIFA, por exemplo, venha até o Brasil e custeie a construção/reforma de 12 estádios e deixe tudo por aqui como uma doação. Além do dinheiro público, a obra tem de ser no tal “padrão FIFA”. Talvez os protestos não sejam somente contra os estádios... Talvez porque na nossa pátria o retorno dos impostos não é digno...


(GL)
Escrito por João da Paz

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