Recessão Econômica e Cleveland: Testemunhas


Um garoto que entra no belo estádio Progressive (foto acima) para assistir um jogo do melhor time da Liga Americana (Cleveland Indians) pode estranhar ao olhar as arquibancadas vazias. Quando sai do campo e se direciona à sua casa, a criança percebe que a cidade tem poucas pessoas circulando e na mente dele vem pensamentos "talvez a maioria delas esteja nas residências vendo TV ou navegando na internet..."

Não. Esta é a hora que o pai do menino explica o que se passa.

Na parede do quarto e na sala há retratos do pai no estádio, mas com uma diferença: estava cheio! O contraste é gigantesco, pois hoje os Indians têm a pior média de público em toda a MLB (14.275, 32.9% da capacidade do estádio) e na época acontecia o oposto; por 455 jogos seguidos, de 1995 até 2001, o então Jacobs Field teve lotação máxima. A fraca economia local é o fator principal para justificar tamanha reviravolta. Os torcedores sumiram do estádio porque os moradores de Cleveland fugiram da cidade.

O censo americano de 2010 registra a grave queda da população local, uma das reduções mais drásticas em todo país. Só em comparação ao censo de 2009, os habitantes de Cleveland diminuíram 17%, atingindo a marca de 397 mil. Esta perda afeta todos os níveis da sociedade e um deles é o político; o estado de Ohio pode perder duas cadeiras no Congresso dos EUA e Cleveland deve perder representantes na assembléia estadual.

Isto prejudica muito. O grande debate que toma conta dos clevelanders é o orçamento do Estado de Ohio. Por a força política local ser fraca e a conjuntura não jogar a favor, Cleveland sai desfavorecida na divisão de verbas e setores vitais padecem revés: a educação sofre cortes em investimentos e as taxas/impostos aumentam. Nesta, dois pontos que merecem incentivos carecem de apoio e o futuro não aparenta ser brilhante.

Com taxas altas e impostos exorbitantes, como empresas vão ficar na cidade? Sem um bom ensino, como os jovens vão se formar com qualidade – ou melhor, como eles vão se formar em Cleveland? As indústrias e os estudantes vão para outros lugares onde existe uma oportunidade melhor e mais proveitosa.

Tudo leva a crer que tempos sombrios voltem a cercar a cidade. Um dia, porém, ela já foi pomposa e gozava de riqueza junto com as co-irmãs do “cinturão da manufatura”. A chamada indústria clássica perdeu seu espaço e Cleveland, mesmo recebendo elogios por tentar se manter forte, caiu na vala como as outras parceiras. A Grande Recessão de 2008 elevou o grau dos problemas e a debandada de pessoas encontrou mais uma justificativa.


Para o garoto é confuso entender uma mudança tão brusca. Ele lembra as histórias do avô e passa a ficar mais perplexo ainda. O senhor com idade avançada, mas com uma excelente memória, recorda o final da década de 40 e início dos anos 50 com muita alegria. Os Indians ostentavam o título da World Series de 1948 (foto acima), os Browns (NFL) dominavam e a cidade efervescia. Homens de negócios de todo os EUA colocavam Cleveland como um dos melhores lugares para trabalhar. Em 1949 a cidade recebeu pela primeira vez o título de “All-American City” e a população chegou ao topo histórico de 914 mil habitantes.

Pra variar, vieram os políticos e arruinaram tudo. Cleveland saiu-se bem da Grande Depressão, contudo péssimas administrações e más gestões a levaram ao buraco. A cidade, em 1978, pediu moratória (perdão de dívidas) – a primeira grande cidade americana a chegar a este nível desde a crise de 1929.

O resultado é a aparência de abandono que Cleveland mostra, uma áurea desértica. O centro da cidade é tão ultrapassado que estão em andamento quatro projetos para modernizar o lugar – será gasto cerca de 1 bilhão de dólares. Pode ser apenas uma maquiagem que esconde defeitos crassos, mas pelo menos algo está sendo feito.

A diretoria dos Indians também tenta modificar o atual cenário. No auge de popularidade (1995-2001), os torcedores com carnê de ingressos para toda temporada girava em torno dos 22 mil; para este campeonato 2011 são 7 mil e 700. O valor dos ingressos foi cortado em 16% comparando com 2010, segundo maior desconto em toda liga – mesmo assim o time permanece em último em média de público. As maiores baixas foram nos ingressos populares: das arquibancadas no outfield, de US$ 20 passou a US$ 10; e no setor mais alto atrás do home plate, de US$ 16 passou a US$ 8.

Hoje os Indians voltam a jogar em casa e defendem uma fantástica sequencia de 13 jogos invictos no Progressive Field. Serão 3 partidas contra o Tampa Bay Rays e 3 contra o Seattle Mariners. A diretoria irá pôr em prática diversas promoções para atrair o público e hoje (contra os Rays) será a seguinte: compre uma cerveja (Budweiser) e ganha outra de graça. Na quinta o jogo será às 12hs e a promoção será voltada a família para levar as crianças ao jogo e almoçar no estádio (US$ 15 um ingresso e ganha o mesmo valor pra ser gasto nas lanchonetes). No sábado (dia 14), contra os Mariners, será o “Dia da Fé”: quem tiver um ingresso pro jogo vai poder assistir o show da banda gospel Relient K na vizinha arena Quicken Loans; a apresentação começa assim que terminar a partida.

O atrativo dentro de campo importa, mas é preciso fazer outros agrados para chamar público. Os Indians têm um time jovem e competitivo, fruto das trocas de jogadores de renome que estavam no clube:


- Saiu CC Sabathia; veio Michael Brantley e Matt LaPorta
- Saiu Cliff Lee; veio Carlos Carrasco
- Saiu Victor Martinez; veio Justin Masterson (foto acima)
- Saiu Casey Blake, veio Carlos Santana

Poucas pessoas presenciam esta boa campanha do clube e apreciam a qualidade da equipe. O que interessa é saber que pelo menos há alguém para contar história e dizer no futuro que houve um excelente time de beisebol sediado numa cidade fantasma e que quase ninguém prestigiava.

Quase ninguém.



(GL)
Escrito por João da Paz



© 1 Jared Wickerhman / Getty Images
© 2 Cleveland Press Archive
© 3 Jeff Gross / Getty Images Images



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Um comentário:

André Cardoso disse...

O Cavs também deve estar em dificuldades.

Pode ser que o Lebron(ou alguns de seus agentes)tenha pensado nisso ao rumar para Miami, não é?

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