Recessão Econômica e Detroit: Na levada de um rapper


A Chrysler gastou US$ 9 milhões para fazer este comercial que foi pro ar durante o Super Bowl deste ano. A decisão da NFL é conhecida, entre outras coisas, pelas propagandas que são transmitidas no intervalo e essa bateu recorde: a mais longa da história do evento (2 minutos) e uma das mais caras já produzidas. O impacto foi grande para quem viu pela primeira vez e o mesmo sentimento vem quando assiste novamente.

O rapper Eminem, nascido e criado em Detroit cedeu com exclusividade, por uma quantia bem abaixo do valor real, a música “Lose Yourself” para ser usada como trilha – faixa vencedora do Oscar 2002 na categoria “Melhor Canção Original” (do filme "8 Mile - Rua das Ilusões"). Sua presença, junto com as míticas imagens e um texto emocionante, criou uma espécie de fonte motivacional para os moradores da cidade do motor.

O que eles mais precisam é isto: força para sobreviver. A indústria que mais sofreu com a Grande Recessão do final da década passada foi a automobilística e Detroit, por ser o berço automotivo dos EUA, onde a crise surgiu, sofreu com mais gravidade as consequencias. Entre as cidades americanas que no começo do século XX eram as mais proeminentes no cinturão da manufatura, Detroit tornou-se um símbolo da decadência da região que ganhou um novo apelido: cinturão da ferrugem. As indústrias partiram para lugares mais rentáveis, os empregos desapareceram e os habitantes fugiram.

O censo dos EUA de 2010 mostra o acentuado declínio da população de Detroit, que atualmente é de 713 mil. Isto dá a cidade uma posição intermediária entre as grandes metrópoles do país: 18ᵃ colocação. Em 1950, quando a indústria automobilística estava a todo o vapor, Detroit era a 5ᵃ maior cidade americana.

Quem também sofre com isto são os Tigers, time de beisebol que joga na MLB. A arrecadação do clube é cada vez menor devido ao público que comparece ao Comerica Park, uma das poucas importantes atrações do lugar. Na temporada 2011, em média 63% da capacidade do estádio está sendo preenchida por jogo, mas com os preços lá embaixo. Há carnês com ingressos para todas as 81 partidas em casa a partir de US$ 10/cada e o clube disponibilizou 12 mil lugares na arquibancada com entradas no valor de US$ 16 dólares ou menos.

Assim a franquia vai administrando as finanças e adaptando ao que a cidade oferece. A taxa de desemprego em Detroit é alta: 11.3% (média dos EUA é de 8.8%). A situação foi pior não só na época de maior crise na Grande Recessão; em Dezembro de 2010 a taxa era de 19.1%. Esta pequena melhora é sinais da recuperação das indústrias “mãe” da região, fôlego dado pelo governo Obama.


No auge da Grande Recessão, as três grandes fabricantes de carros dos EUA (General Motors – GM, Chrysler e Ford), todas situadas em Detroit, pediram um financiamento ao presidente para recuperar a produção e salvar a economia. Se nada fosse feito, segundo as empresas, uma reação em cadeia iria entrar em ação: a fábrica produziria menos, mais empregos seriam cortados, as pessoas deixariam de comprar carros, as lojas de auto peças sofreriam o baque, mais empregos seriam cortados, as pessoas deixariam de comprar qualquer coisa...

Obama abraçou a ideia e aceitou fazer o financiamento – dinheiro vindo dos impostos diversos que os americanos pagam diariamente. Muita polêmica criou-se em torno da aprovação do projeto no senado, mas acabou aprovado. A quantia de US$ 60 bilhões de dólares passou a estar disponível para as companhias e só a Ford não aderiu o projeto. Tanto GM e Chrysler teriam que passar por severas e rígidas mudanças estruturais para que o empréstimo fosse feito. Aceitaram e algum sinal de sobrevida é possível notar.

No primeiro trimestre de 2011, GM e Chrysler apresentaram lucro – a Ford também mostrou um balanço positivo e pela primeira vez desde 2005 que o trio fecha, em conjunto, um trimestre no azul. A GM anunciou que investirá nos próximos meses cerca de US$ 2 bilhões em 18 fábricas em todo país, gerando mais de 4 mil e 200 empregos diretos. A Chrysler já abriu 900 vagas em suas fábricas e criou um turno extra para contratar mais funcionários.

A equipe de Obama está num momento de resposta aos críticos (leia-se: oposição republicana) que desvalorizaram o plano de resgate financeiro estabelecido pelo governo. De certa forma é natural o protesto por ser dinheiro público investido, mas parcelas do empréstimo estão sendo pagas e o resultado do investimento está patente aos olhos. O interessante é relembrar que George W. Bush, republicano e antecessor de Barack, cedeu ao trio US$ 25 bilhões de dinheiro público antes de deixar a presidência em 2008 – este dinheiro ainda não foi devolvido.

Tinha que ser feito algo. Detroit agradece a atenção e luta para renascer. A Chrysler fez um comercial de um produto seu – o carro de luxo Chrysler 200 – e de tabela provocou um pensamento de ânimo e de reflexão. O slogan “Importado de Detroit” apresentado no final da propaganda é uma defesa aos fabricantes de carro dos EUA (Detroit) contra as marcas estrangeiras presentes no mercado do país: Honda, Volkswagen, Toyota, Audi, Mercedes...

Gastou muito para fazer o “mini filme”, entretanto já entrou para história. Fixa, se espera, uma época de transição da crise e registra palavras que fazem refletir. Nesta peça Eminem teve só uma frase no final, porém ele resolveu criar um vídeo para deixar sua visão do que acontece com a cidade que lhe entregou ao mundo.

Em “Letter to Detroit” (tr. Carta para Detroit), o rapper expressa seus sentimentos misturados com um discurso motivacional no tom exato do que a cidade precisa para seguir em frente: determinação.



Detroit / Há uma resiliência que surge de algum lugar de suas ruas / Não dá para definir, mas é possível sentir / Você pode sentir as pessoas que lhe chamam de casa se transbordar / De pessoas que sempre declaram ‘ sou de Detroit’ / Você tirou nosso país da infância para a indústria / E seu nome ainda carrega a ideia de uma nação construída com aço, músculo e suor / Você era a cidade que carregava o país / A cidade, como o esporte, construída sobre sonhos / Pessoas que vem até você inspiradas para sobressair / Sabendo que nada é alcançado sem trabalho duro, sem sacrifício / Quando você se machuca, nós também nos machucamos / Suas ruas testemunham nossa luta / Seus tijolos são nossa fúria através de cada casa vazia, cada fábrica fechada / Vivemos entre altos e baixos / Mas continuamos Detroit / Não podemos virar as costas pra você Detroit, porque nós somos você / Minha casa / A casa da Motown [gravadora], Cadillac [carro] e Joe Louis [boxeador] / Por tudo isso, não podemos ser derrotados, porque nunca perdemos / Você nos construiu, nos moveu, nos moldou / Às vezes triste, mas nunca desistimos / Pegue forças em nós, seu povo / Mantém-se de pé Detroit
(tradução livre do vídeo “Letter to Detroit”)



(GL)
Escrito por João da Paz


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