Richard Sherman é culpado por ser negro e da periferia


Uma das características mais fortes e que evidencia a nossa sociedade é a perda de valores. E isso pode piorar, pois além dos mínimos gestos respeitosos terem sido abolidos do cotidiano, o destrato é contumaz e só cresce. Passam gerações, comportamentos mudam, mas algo não se altera:

A dificuldade de lidar com um negro bem sucedido.

Imagina! Ainda vem da periferia, tira boas notas na escola, ganha diploma de uma das melhores universidades do mundo, joga na maior liga esportiva do planeta... Não pode!

As postagens no Twitter, a reação da mídia e o comentário do comissário da NFL sobre a entrevista de Richard Sherman, cornerback do Seattle Seahawks, após conseguir classificar seu time ao Super Bowl 48, é um retrato de que um negro não pode ser confiante e talentoso.

Foram comentários tão baixos contra Sherman que causam vergonha. O chamaram de “macaco”, “ladrão”, “desgraça”... Tudo por ter falado o que muitos disseram antes e durante a partida contra o San Francisco 49ers. Ele afirmou apenas o óbvio: que é o melhor cornerback da liga. Foi além e brutalmente honesto ao ser abordado pela repórter Erin Andrews, da Fox.

E nada justifica esses ataques covardes e inconsequentes.

Vale ressaltar que a contrariedade da mídia contra Sherman é mais hipócrita ainda, já que criticam tanto as respostas clichês dos jogadores (similar ao que vemos aqui com os futeboleiros brasileiros) e rechaçam um atleta que dá uma resposta autêntica, sincera. Um depoimento genuíno de quem viveu um jogo intenso por mais de três horas.

Entretanto, aqueles que expuseram uma preconceituosa opinião sobre Sherman, são os exemplos claros de como a discriminação racial e social ainda existe e é viva, bem viva.

Brett Favre (branco) já fez tantas declarações duvidosas... Mas, intocável! Queridinho...

Johnny Manziel (branco e de classe alta) é, porém, o melhor contraponto à Sherman. Manziel, ex-quarterback da Universidade Texas A&M e que neste ano entrará na NFL, é arrogante, sem noção, desiludido. O tratamento dado a ele pelos fãs e mídia e de “um jovem que tá curtindo a vida”. Pego em ilegalidades e se comportando indecentemente, Manziel recebe a defesa cínica: “quem nunca fez bobagens na faculdade, né?”.

Além disso, a atitude dele em campo reflete o que é fora das quatro linhas.

É nítida a diferença no tratamento dado a Sherman e Manziel. A cor da pele e origem influenciam sensivelmente nas opiniões que as pessoas tem de cada um.

Toda essa repercussão pré-Super Bowl contra Sherman é apenas mais um obstáculo para ultrapassar, ciente de que não precisa provar nada a ninguém.

Sherman vem de um dos bairros mais violentos da cidade de Los Angeles, Watts. Passou parte da infância na também violenta cidade de Compton, Califórnia. A escola de ensino médio que ele estudou aprova apenas 57% dos alunos. Sherman, porém, fechou o histórico escolar com nota A/10. Esse bom desempenho, junto com sua habilidade em jogar futebol americano, deu a ele a oportunidade única de entrar numa das universidades mais rígidas academicamente do mundo: Stanford.

Daí, por incrível que pareça, veio alguns dos tweets raivosos, apontando que Sherman só conseguiu entrar em Stanford “por saber jogar um esporte”. Esquecem da exigência das boas notas para ingressar na faculdade e de mantê-las para continuar atuando no time.

Inteligente, com diploma de Stanford, milionário, bem articulado, vencedor, querido dentro do clube... Mas nada disso importa quando o preconceito vai atrás do estigma para rotulá-lo de ladrão. Afinal, é negro e da periferia.

Sherman, felizmente, sabe melhor. Entende que tais observações não devem causar efeito negativo algum, e sim servir como combustível para seguir em frente e manter a cabeça erguida, ciente de que estar no caminho de vitórias e conquistas.

Como ele mesmo disse em entrevista na última quinta (23) a repórteres em Seattle:

As pessoas ouvem Compton, Watts e já associam com criminosos, com gangsters. Que tal pessoa é isso, aquilo, e aquilo outro. Daí ouvem Stanford e ficam confuso, como se não fizesse sentido... É frustrante. Mas tenho de lidar com a opinião dos outros. Vim de um lugar onde tudo é adversidade, então o que é um pouquinho mais? O que é ouvir um pouquinho mais as pessoas dizerem o que você não pode fazer?”.

(GL)
Escrito por João da Paz

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