O lado sombrio da campanha Outubro Rosa da NFL


O mês de Outubro chega e com ele vem um “inocente” lacinho rosa, singelo símbolo da conscientização no combate ao câncer de mama. Na onda aparecem diversos objetos, total ou parcialmente pintados de rosa, para dar a entender que tal produto/marca aderiu a campanha.

Desde 2009 a NFL abraçou a causa feminina e conseguiu fazer com que homens quebrassem um milenar tabu, usar a cor rosa sem frescura. O grandes ligas acompanha de perto toda essa história, nos textos Rosa Básico (2009) e Outubro Rosa na NFL (2011). A cada ano dessa campanha, que toma todo o mês de Outubro, a NFL se torna mais agressiva no marketing e - ao menos pra mim - ultrapassou o nível do bom senso na atual temporada e faz pensar na questão: Por que a NFL é tão dedicada ao câncer de mama? E o câncer de próstata?

Não foi a NFL quem criou o tal Outubro Rosa. A cineasta canadense Lea Pool, em seu documentário Pink Ribbons Inc. (2011), explica como o lacinho rosa surgiu. Na verdade a cor original era salmão, mas a criadora do acessório não quis vender a ideia para a poderosa marca de perfumes Estee Lauder, que queria usá-lo em campanhas publicitárias. Contudo a Estee Lauder analisou que não precisaria de autorização se apenas mudasse a cor do lacinho.

Sabemos o que veio depois...

Daí surgiram os mais variados produtos com o lacinho rosa. Empresas mais ousadas pintaram suas peças com a cor dita feminina. Do mercado ao shopping center, tudo rodeado de rosa.

A NFL enxergou uma estratégia de marketing genial para ela, pois conseguiria lucro num negócio maquiado.

O que a NFL decidiu pôr em prática em 2009 é o chamado marketing relacionado com uma causa. É basicamente vender produtos e "reverter todo o dinheiro” para uma instituição de caridade, por exemplo.

Logo, o que começou com um detalhe rosa em chuteiras, luvas e bonés dos jogadores da NFL virou uma “marca”. É possível encontrar os mais diversos produtos com o lacinho rosa, tanto que a liga criou um site só para vendê-los.

O fundo criado, rotulado de Crucial Catch, abrange o dinheiro arrecadado com a comercialização de produtos rosa e com o leilão de peças usadas por jogadores dentro de campo. Entre 2009 e 2012, a NFL arrecadou US$ 4.5 milhões com a campanha – US$ 1.5 mi somente em 2012. Para efeito comparativo, o rendimento da NFL como um todo em 2012 foi de US$ 8 bilhões.

A American Cancer Society (ACS) recebe apenas 5% do que a Crucial Catch acumula. Pegando os produtos comercializados na loja da NFL, imaginando uma margem comum de 100% de lucro no ponto de venda, a NFL fica com 90% do lucro.

Excluindo os gastos administrativos, a ACS aplica apenas 70,8% do que recebe em pesquisas relacionadas ao combate do câncer de mama.

Assim, se você compra um produto rosa na loja da NFL ao valor de US$ 100, US$ 3.54 vai para programas que trabalha na conscientização do câncer de mama; e US$ 45 fica no bolso da NFL.

É grande a comoção criada ao redor da campanha Crucial Catch e assim NFL atinge em cheio o público feminino. Como mostrado aqui no texto Marie Claire e as mulheres na NFL, esse é um público que a liga almeja inserir ativamente dentro do seu catálogo de consumidores.

O câncer de mama é um assunto muito sério e deve ser tratado com todo o respeito que merece. Mas e o câncer de próstata? Não deve também ser tratado com todo o respeito que merece. Entretanto um recebe mais atenção que o outro. O investimento do governo americano no tratamento do câncer de mama no ano fiscal de 2010 foi de US$ 891 milhões; o câncer de próstata recebeu US$ 399 milhões.

De acordo com levantamento feito pelo Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos, entre 2006 e 2010, a cada 100 mulheres 22.6 morreram em decorrência do câncer de mama; no mesmo período, a cada 100 homens, 23 morreram em decorrência do câncer de próstata.

Os casos letais são iguais, porém há desigualdades quando o assunto é dinheiro e campanha.

Seria a NFL obrigada a criar o mês de prevenção do câncer de próstata? Talvez sim – ou não. Contudo é despejado esse marketing feroz na causa do câncer de mama e a doença que ataca fatalmente os homens – maioria na liga – não merece um cuidado similar?

É que na mistura de cores feita pela NFL, rosa com a cor preta do constrangimento resulta no verde impresso nos dólares americanos.

Que tal um lacinho preto, simbolo do efeito da misteriosa força passiva feminina?

(GL)
Escrito por João da Paz

Um comentário:

Xd3 disse...

Muito bom texto, mas não entendo o espanto com a iniciativa da Liga. Em toda campanha de apoio a uma instituição ou algum tema (como o outubro rosa) sempre é uma parte do que é arrecadado é doado. É uma prática básica do capitalismo aplicado ao marketing, então bem vindo ao mundo capitalista.

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