A ilusão da lealdade e a crueldade da ingratidão


Quem nunca?

Quem nunca sentiu o sabor azedo da ingratidão? Gosto ruim, comumente distribuído. Por mais que seja uma das piores atitudes do ser humano, o não mostrar reconhecimento é popularmente praticado. Pior quando vem no kit uma cobrança ilógica por lealdade.

Esportistas são alvos fáceis dessas flechas. Basta mudar de time, uma opção trivial, que fãs órfãos proliferam que o “traíra” não foi “fiel” e pensou somente em interesses pessoais.

Quem nunca?

Desde quando querer o bem para si é ruim?

O que ocorreu com LeBron James após deixar Cleveland e ir para Miami está registrado no grandes ligas; as vaias infundadas dos torcedores dos Cavaliers, o bem estar do atleta... Nesta semana outros jogadores dos esportes americanos provaram um pouquinho de represálias com pitadas de insensatez. Uma lição óbvia que muitos custam a entender: esporte é um negócio; e negócios são apenas negócios.

O pivô do Los Angeles Lakers, Dwight Howard, fez seu primeiro jogo em Orlando, retorno a cidade que o acolheu por nove anos. Com três temporadas no currículo Howard levou o Magic ao título da Divisão Sudeste 2007-08, que a franquia não conquistava desde o campeonato de 1995-96. O clube passou a ser relevante dentro da Conferência Leste, ficando constantemente no topo da tabela de classificação. Conjunto de feitos que dava à franquia (e cidade) visibilidade, atenção da mídia e dinheiro de patrocinadores.

Howard era o Magic. Muitos movimentos foram realizados para reunir peças que junto com o pivô levariam a equipe ao título – chegou até às Finais de 2008-09. Não deu certo e uma reformulação precisava ser executada e Howard, dentro do seu direito legítimo e indiscutível, saiu. Escolheu ir para um clube maior, de mais tradição. Unindo forças com talentos top do basquete mundial (com um canadense com dois prêmios de MVP da NBA, um americano com um prêmio de MVP da NBA e um espanhol eleito pela FIBA o melhor jogador do campeonato Mundial de 2006).

Atualmente o Magic está no alto das suas 18 vitórias... e 48 derrotas. No encontro com o Los Angeles Lakers a cidade decidiu vaiar quem um dia tornou o time local em elite. Torcedores viajaram quilômetros para disparar impropérios contra o pivô; e eles estão no direito de protestar. Contudo mostram um traço ímpar do homem, uma característica triste: incapacidade de distribuir agradecimentos. A absurda campanha contra Howard em Orlando atingiu o ápice quando uma rádio fez um outdoor contando os dias, horas e minutos que Howard novamente deixaria Orlando.


Os moradores de Denver agiram de forma similar ao direcionarem ódio ao ala Carrmelo Anthony, hoje no New York Knicks. O time da “capital do mundo” foi até Denver e Melo pela primeira vez enfrentaria seu ex-time na altitude das montanhas. Porém os fãs dos Nuggets enfrentaram um obstáculo maior: o frio. Nada que impediram de se manifestarem fora e dentro do Pepsi Center contra o jogador que fez o time de Denver ser representante de um bom basquete apresentado na disputada Conferência Oeste.

Melo entrou nos Nuggets na temporada 2003-04 e prontamente contribuiu para o time ir aos playoffs, que não acontecia desde a temporada 1994-95. Três títulos de divisão (Noroeste) e uma passagem pelas finais de Conferência (2008-09). George Karl, atual treinador dos Nuggets e ex-professor de Anthony, respondeu positivamente sobre se a franquia deveria aposentar a camisa de Melo quando o jogador parar de jogar. Os torcedores podem até mudar de opinião com o passar dos anos, mas o que eles têm agora para Anthony são apenas sinais de revolta.

Na NFL a mistura água e óleo de lealdade com ingratidão aconteceu, sem surpresas, no atual campeão do Super Bowl. Baltimore Ravens é uma das mais exemplares organizações da liga, elogiada por administrar bem os negócios da franquia. Aqui o poder de decisão ficou a cargo do clube, que escolheu investir na peça correta e renovou com o quarterback Joe Flacco, numa soma exagerada de dólares. O resultado inevitável são cortes na folha de pagamento, e como negócios são negócios, ninguém é blindado.

Nem Anquan Boldin, nem Ed Reed.

Anquan Bodin, wide receiver, foi fundamental na campanha campeã dos Ravens na temporada passada, com destaque às atuações nos playoffs e na partida decisiva contra o San Francico 49ers. Boldin disse após o Super Bowl que permaneceria no time até o final da carreira. Mas os Ravens tinham outros planos. Boldin, para continuar em Baltimore, teria de aceitar um corte de US$ 6 milhões em seu contrato, dentro do plano de ajuste financeiro da diretoria. A recusa veio e o jogador foi trocado por uma escolha de 6ª rodada no draft de 2013. O time que recebe Boldin, sem o corte salarial, é o San Francisco 49ers.

Como que a lealdade e ingratidão atuaram nessa circunstância?

E no caso de Ed Reed? O safety, um dos melhores atletas a pisar num campo de football, é tido como a face dos Ravens. Ele, contudo, está na lista dos negociáveis e seu destino pode ser Houston para jogar pelos Texans. Numa entrevista para uma rádio local – CSN Houston – Reed opinou sobre sua situação:

Penso que, como organização, eles [Ravens] agem dentro dos seus termos. Caras derramam sangue, suor e lágrimas, se doam ao máximo e fazem o melhor. Quando vejo o que eles estão fazendo, analisando o aspecto de negócio, fico espantado”.

Estar no lado que recebe ingratidão é desagradável, assim como ser cobrado de lealdade quando não lhe dão um tratamento digno. Agora, e na situação na qual você faz tudo correto, se entrega e faz maravilhas pelo outro, e recebe um nada em troca? Ou quando recebe é 10% do esperado?

Infelizmente não é raro um comportamentos desse tipo. Infelizmente é algo que acostumamos a observar. E se o homem mais sábio que passou pelo planeta Terra passou por isso, passou para nos deixar um aprendizado.

Certa vez Jesus caminha com destino à Jerusalém. Pela estrada ouve 10 leprosos pedirem compaixão. O Mestre os ordenou a ir até os sacerdotes e todos foram purificados. Somente um deles foi ao encontro de Jesus para agradecer.

Então Jesus lhe perguntou:

“Não eram dez os que foram curados? Onde estão os nove?

Imagina a cena.


(GL)
Escrito por João da Paz

Um comentário:

Anônimo disse...

Esta matéria, muito bem escrita, vem a todo momento criticar como uma cidade pode inibir o direito de escolha de um jogador. Talvez cada morador de certa cidade ainda entenda o que significa o esporte, o que significa um ídolo. Sendo que um ídolo, não entende mais o que significa um desafio e muitas vezes é vencido pelo medo de terminar a carreira sem conseguir alcançar um título, seja pelo time que for. Esta fala é muitas vezes defendida por pessoas que colocam isto como "o atleta não tem direito de procurar o que é melhor para si?". É, talvez algumas pessoas ainda pensem que o esporte é um esporte... e não que o esporte é apenas um negócio (como escrito em letras garrafais nesta matéria). Então, assim como os jogadores tem o direito de escolher o que é melhor para si, os torcedores tem mais direito ainda de escolher quem são seus representantes... será que tem algum torcedor em Cleveland que ficaria contente em ter LeBron no seu Hall da Fama? E o mesmo em Howard-Orlando? Ou será que Ray Allen será ovacionado toda vez que visitar Boston? Se o esporte é um negócio, bom negócio para os jogadores. Eu sou um torcedor gosta de equipes e rivalidades, e não entro nesta moda moderninha de torcer para jogadores... não importa o time que ele estiver. Talvez seja por isso que a NBA esteja tão sem graça hoje em dia. Cadê a rivalidade? Não consigo achar, só consigo achar mesmo, que isto é um negócio!

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