Grandes Ligas entrevista: Eduardo Câmara, kicker brasileiro na NCAA


Na Football Bowl Subdivison (FBS), conhecida como primeira divisão do football da NCAA, não há playoffs. Já na Football Championship Subdivision (FCS) tem playoffs e estão na segunda rodada, que será realizada no próximo sábado dia 3 e um brasileiro estará em campo defendendo as cores de uma das universidades que mais surpreenderam na temporada 2011-12.

O natalense Eduardo Câmara, kicker da Universidade Central Arkansas (UCA), eleito o segundo melhor kicker da conferência no campeonato 2011-12, entrará em campo para jogar contra a Universidade Montana, quinta colocada no ranking FCS e campeã da Conferência Big Sky – título dividido com Montana State. A UCA é a 15ª colocada no ranking, com um retrospecto de 9v-3d, uma derrota a mais que Montana. A universidade do campo cinza e roxo ficou em segundo lugar na Conferência Southland, a mais competitiva da FCS; a campeã foi a Sam Houston State, número um no ranking.

Com uma vitória fácil sobre a #21 Tennessee Tech, 34 a 14, os UCA Bears mantêm uma incrível série de 8 vitórias seguidas. Começaram o campeonato com 1 resultado positivo em 4 jogos e esta arrancada trouxe o time aos playoffs e dá forças para avançar ainda mais na pós-temporada.

Eddie, como o brasuca é chamado pelos americanos, faz desta sua primeira temporada de fato na NCAA. Após se formar na Cedar Hill High School (Texas), uma das escolas elite no football do estado, cidade (Cedar Hill) situada a 25 km do centro de Dallas, ele ingressou na poderosa Universidade Arkansas, hoje número 8 no ranking BCS. Teve que sair de lá e se juntou aos Bears da UCA – o mais conhecido estudante/atleta é Scottie Pippen, membro do hall da fama do basquete.

Nesta entrevista Eduardo conta como foi essa sua saída de Arkansas. Fala também sobre sua vida nos Estados Unidos e seu atual momento na UCA. Diz se topa jogar pela seleção brasileira de football contra o Chile em amistoso a ser realizado no dia 21 de janeiro de 2012.

Confira a conversa que tive com ele, com a ajuda de perguntas feitas por leitores do blog e colegas.

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Grandes Ligas – Qual sua altura e peso?
Eduardo Câmara – 1m75 e 71kg

GL – Você acha que sua altura pode ser um fator negativo na hora de os times da NFL considerarem a chance de selecioná-lo? (pergunta feita por Everaldo Marques, narrador da TV ESPN e rádio Estadão/ESPN)
EC – Não.

GL – Qual foi seu primeiro contato com o football?
EC – Foi na 7ª série. O treinador sabia que eu jogava futebol e pediu para chutar a bola oval.

GL – Quando sentiu que tinha total controle de força e direção do chute?
EC – Aprender a chutar não foi tão difícil, fazia sem uma maneira especial. Mas controle total mesmo tive só no penúltimo ano do high school (ensino médio).

GL – Como você foi parar nos Estados Unidos?
EC – Vim porque meu padrasto teve uma oferta de trabalho aqui [EUA]. No começo foi complicado já que não sabia inglês. Mas aprendi rápido e depois de um ano não tive problemas.

GL – Como foi a adaptação com a língua inglesa?
EC – A escola aqui é das 8h às 15h e a maioria do tempo era aprendendo inglês. O difícil é lembrar o português (risos).

GL – E a convivência com os americanos, tranquila?
EC – Sim. Estou aqui desde 2002 e já me acostumei com tudo.

GL – Como é ser um brasileiro nos EUA que joga football ao invés de soccer?
EC – A maioria do povo daqui não sabe que sou brasileiro. Meu inglês é tão bom que ninguém acredita que sou brasileiro até começar a falar português. Mas é difícil porque eu amo futebol. Sempre joguei e era meu sonho virar profissional. Ainda quero tentar, porém me concentro atualmente no football e vou fazer o possível para ser o melhor.

GL – Há preconceitos contra estrangeiros em times de football?
EC – Não, nunca fui vítima de preconceito.


GL – Por que Eddie, pra facilitar a pronúncia do nome?
EC – Começaram me chamar de Eddie no high school... e ficou! Agora todos me conhecem assim e tudo que faço no football é com “Eddie Camara”. Se você tem um nome grande ou estranho logo criam um apelido, fica mais fácil e o povo gosta.

GL – Como é jogar football no estado do Texas?
EC – Football no estado do Texas é o melhor do país. Os atletas, as escolas, a competição, os estádios, os uniformes... Tudo é melhor no Texas. Eles levam o football muito a sério, do high school até o profissional.

GL – Como é ser parte de um time (high school) top do país e ser considerado um dos melhores kickers da nação – segundo declarações do seu ex-treinador Joey McGuire?
EC – Foi uma experiência inacreditável! Você joga na ESPN, ganha quase todos os jogos, sempre tem entrevista... E quando seu nome está entre os melhores tudo o que faz é notícia. Todos melhores kickers me conhecem. Fui competir em Las Vegas, Beverly Hills (Califórnia), Dallas... Um treinador rival me tinha como 4º melhor do país... E jogar numa escola top atrai os scouts (olheiros) das grandes universidades, eles sempre iam até Cedar Hill. Também mandavam cartas, muitas! Tenho cartas de mais de 30 universidades, duas caixas cheias!

GL – Quando, no high school, você sentiu que tinha condições de ser um kicker na NCAA?
EC – Quando percebi as universidades conversando comigo, por volta do penúltimo ano (junior)

GL – Como foi o processo de seleção?
EC – Arkansas foi a primeira universidade a me oferecer uma bolsa e eu não queria esperar para tomar um decisão. Gostei bastante dos treinadores e logo optei por ela.

GL – Como foi participar de uma temporada numa universidade elite da NCAA, da super conferência SEC?
EC – Foi legal. As viagens para os jogos fora de casa são todas feitas de avião, se precisar de qualquer coisa é só pedir que eles te entregam. A atenção é bem maior.

GL – Mesmo sem jogar, o que deu para aproveitar desta experiência?
EC – Fiz muitos amigos. Não importa qual nível que você joga. Se você é bom vai ter sua chance na NFL.

GL – Por que saiu de Arkansas? O que aconteceu?
EC – No meu último ano de high school rompi um ligamento do joelho (ACL). Quando entrei em Arkansas fui direto competir e como titular; até minhas pernas não aguentar mais. Então comecei a errar e chutar muito mal. Passei 5 meses parado depois da cirurgia, o que me prejudicou bastante. Após a recuperação, falei com o treinador [Bobby Petrino] que queria jogar, se não aqui em outra universidade. Por gostar muito de mim, aconselhou que fosse melhor sair para não perder mais um ano.

GL – Como foi o ingresso na Central Arkansas?
EC – Tenho amigos da Cedar Hill que jogam na UCA e eles comentaram com o treinador que eu tinha saído dos Razorbacks [Arkansas]. O treinador ligou pra mim e conversamos pessoalmente. Ele me disse que o time precisava de um kicker. Esperei outras oportunidades, mas essa era a única universidade que me ofereceu uma bolsa. O meu técnico do high school [Joey McGuire] disse que não é comum kickers ganharem duas bolsas de estudos diferentes depois que a primeira oportunidade não deu certo. Acho que tive sorte.

GL – Seu primeiro jogo com os Bears foi excelente: um FG de 42 jardas, 5 de 5 em chutes extras... Boa estreia.
EC – Ótima! Enfim estava jogando novamente e realizei bons chutes. Great feeling!

GL – Já na partida seguinte foram dois FG’s errados...
EC – Errei um de 44 jardas e o outro era um chute fácil, mas fui bloqueado, não tive chance. A defesa entrou fácil pela linha ofensiva.

GL – Vocês começaram com 1v-3d. Como foi reverter este quadro e vencer 8 jogos seguidos?
EC – Fizemos uma reunião. Se não ganhássemos o restante dos próximos jogos não íamos para os playoffs. Então há 8 semanas que encaramos cada partida como jogo eliminatório.

GL – Descer de divisão não é ruim? Não pode prejudicar sua futura transição à NFL?
EC – Foi péssimo! Mas se ficasse na FBS teria que perder outro ano e eu queria jogar, não podia esperar. Dois anos sem experiência seria pior. Meu treinador em Arkansas [Petrino] disse o seguinte pra mim: “Não importa o nível que você atue, pois as traves (Y) são do mesmo tamanho. Se fosse outra posição aí prejudicaria porque o nível de competição é menor. Mas um kicker não enfrenta ninguém, basta chutar com precisão”.

GL –A Southland é uma das conferências mais fortes da FCS? – com a maioria das universidades sediadas no Texas, outra em Louisiana e só a UCA fora destes dois estados.
EC – Sim. Acredito que a Southland é a SEC da FCS.

GL – Como é seu relacionamento com os torcedores?
EC – Muito bom; todos são legais comigo. Quando chuto os fãs cantam na arquibancada: “Ole! Ole! Ole! Ole!” (risos).

GL – Qual curso você faz na UCA?
EC – Economia. Sou bom em negócios, principalmente quando volto pra Natal e faço um “rolo” com meus familiares que querem minhas roupas, tênis, aparelho celular... Tudo! (risos).

GL – Conta um pouco do seu dia na UCA.
EC – Tenho duas aulas por dia, entro 8h. Depois do almoço o time faz uma reunião por volta das 14h. O treino começa 15h45 e acaba por volta das 18h. Depois do treino, janto e vou pra casa: aí faço deveres, jogo PlayStation, assisto TV, descanso...

GL – Quais são os benefícios do jogador de football numa universidade?
EC – Os benefícios são maiores nas grandes instituições – o time contrata alunos com boas notas para ajudar os atletas. Aqui na UCA também tem isso, mas em Arkansas acontece com mais intensidade e lá o que você precisar eles fazem.

GL – O que a bolsa de estudos na UCA garante pra você?
EC – Tudo! Comida, aulas, livros... Se quiser pode morar dentro do campus. Caso queira morar fora do campus a universidade paga o aluguel.

GL – Se os quarterbacks ficam com as cheerleaders mais gatas, o que sobra para os kickers? (risos)
EC – Na UCA as cheerleaders são lindas, mas na high school tem mais destas – sem contar o grupo de dança. De fato, os QB’s ficam com a maioria e as melhores, mas o kicker vem em segundo ou entre os cinco primeiros (risos). Não sei o porquê, mas as mulheres daqui adoram kickers! E eu não reclamo...

GL – Como é o relacionamento com as rally girls? (garotas “auxiliares” dos jogadores)
EC- Tanto na high school quanto aqui na UCA elas estão presentes, são cheerleaders e dançarinas. Vez ou outra elas colocam presentes/lembranças nos armários dos jogadores.

GL – Qual momento mais marcante da carreira?
EC – São dois na verdade, as duas vezes que ganhei um jogo com FG. Uma foi no high school na terceira prorrogação e a outra foi três semanas atrás contra Texas State, FG que levou a UCA aos playoffs.

GL – Qual porcentagem de acertos de FG você acha ideal para uma boa temporada?
EC – Agora estou com 73%, 14 de 19 com um destes bloqueado. Se não fosse isto teria 4 errados, mas todos que errei era pra ter acertado. Quero voltar a não errar, porém sei que às vezes acontece. O objetivo é não errar mais que 4 e acertar mais que 15. Mesmo assim 15 de 19 não é bom pra mim; 17 de 19, isto é uma boa temporada.

GL – Você quer jogar pela seleção brasileira de football no dia 21 Janeiro de 2012 contra o Chile em Foz do Iguaçu? (pergunta feita por Flávio Cardia, diretor executivo da Associação de Futebol Americano do Brasil e por Danilo Muller, treinador da seleção brasileira de futebol americano)
EC – Claro que sim! É um sonho.



(GL)
Escrito por João da Paz

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