Caso Barry Bonds e Caso Roger Clemens – onde um pingo é letra

A era dopada da MLB sobrevive. Dois dos maiores representantes dela voltam à cena após um curto ostracismo. Barry Bonds, sete vezes MVP da Liga Nacional, teve seu julgamento encerrado semana passada e recebeu apenas uma condenação entre quatro acusações. Roger Clemens, sete vezes vencedor do Cy Young (prêmio ao melhor arremessador), tem seu julgamento marcado para iniciar no dia 6 de Julho deste ano, mas com uma audiência preliminar marcada para hoje na corte federal americana na capital Washington.

Entre os dois casos há pontos semelhantes e divergentes. Em nenhum deles está tentando descobrir se os respectivos jogadores atuaram dopados em determinada parte de suas carreiras (grande probabilidade que isto aconteceu), mas estão em jogo mentiras ditas perante a justiça (Bonds) e ao Congresso (Clemens).


Bonds (foto acima) penou, porém o júri só chegou ao veredito unânime em uma acusação: obstrução à justiça. Aqui o jogador, segundo o corpo de jurados, foi evasivo em uma pergunta relacionada à Greg Anderson, seu personal trainer. Bonds, como alguns que estavam presentes apontaram, agiu como fez sempre, desviou de questões com potencial de lhe prejudicar, evitando ser direto e falar a verdade. Para a imprensa isto pode, porém sob juramento não há impunidade.

Nas outras três acusações Bonds ganhou por pouco. Sobre mentir ao dizer que nunca usou esteróides sabendo que eram de fato substância dopante, quatro jurados (de doze) derrubaram a acusação; sobre mentir pelo uso de HGH (hormônio de crescimento humano), três jurados votaram contra a acusação; sobre falso testemunho por dizer que só seu doutor particular lhe aplicou injeções durante sua carreira, só um jurado votou a favor de Bonds (11 a 1) suficiente para livrá-lo de condenação na acusação mais grave.

Um depoimento seria suficiente para mudar este quadro, mas a pessoa que esclareceria tudo optou pela prisão do que testemunhar. Greg Anderson recusou ser testemunha contra seu amigo Bonds e, como um dos jurados destacou, “Faltou uma peça para completar este quebra-cabeça. Anderson traria luz para muitos detalhes obscuros. Ele seria extremamente útil para ligar os pontos”.

Anderson decidiu o silêncio, pois se fosse submetido ao tribunal não poderia mentir. Por saber de muita coisa e detalhes que prejudicariam sensivelmente Bonds, escolheu se sacrificar pelo amigo. Os dois têm uma relação antiga, amizade de anos. Será que há presente importante que possa comparar ao que foi feito por Greg? Fato é que Bonds precisa fazer algo para agradecer a inusitada e leal atitude do amigo. Com o depoimento de Anderson, o jogador poderia ser condenado em todas as acusações e pegar uma pena enorme com poucos recursos disponíveis. Entretanto, apesar da obstrução à justiça ser algo grave (10 anos de prisão), seus advogados vão negociar para 15 meses – ou multa e serviços comunitários. A sentença não foi deferida, já que a defesa vai recorrer.


Para Clemens (foto acima) vale também a acusação de mentir e dar falso testemunho sob juramento. Enquanto o Caso Bonds foi fruto do seu testemunho (intimado) no Caso Laboratórios BALCO, Clemens optou testemunhar perante o Congresso dos EUA. A diferença é que Clemens livremente predispôs participar da investigação dos deputados e senadores americanos sobre o Mitchell Report, documento do Sen. George Mitchell (partido democrata) que contém 409 páginas e lista 89 jogadores da MLB, em atividade ou não, que usaram substâncias dopantes – Clemens é um dos citados.

Seu depoimento foi transmitido pela TV e no seu julgamento ele sofre três acusações de falsas afirmações, duas por falso testemunho e uma por obstrução ao Congresso. Na audiência preliminar de hoje os advogados de Clemens vão tentar indeferir as acusações – embora não terão sucesso. Porém um ponto que eles irão argumentar com firmeza é que o Congresso fez perguntas imprecisas que resultou em dúbias respostas – há jurisprudência.

A defesa de Clemens sairá bem neste ponto, mas em outro se complicará. Se Barry Bonds tem em seu personal trainer um amigo, Roger Clemens tem em seu personal trainer (Brian McNamee) um inimigo. O treinador está disposto e vai testemunhar contra seu ex-cliente, sem medo de nada. Naquela investigação do Mitchell Report perante o Congresso, McNamee contradisse Clemens em vários tópicos.

A defesa neste caso terá que ser forte e valente, pronta para replicar denúncias e argumentar firmemente a favor do arremessador. Até um ex-companheiro não está ao seu lado. Andy Pettitte, atual arremessador dos Yankees e parceiro de Clemens quando estavam em New York (também jogaram juntos pelo Houston Astros), tem seu nome citado no Mitchell Report e assumiu que usou HGH, aplicado justamente por McNamee. Pettitte escreveu uma carta sob juramento para o Congresso americano e nela há menção que Clemens usou HGH – Andy será intimado para testemunhar no julgamento.

Pettitte e Clemens eram amigos próximos, mas quando a justiça apertou o cerco eles se distanciaram, tomaram rumos opostos. Roger, assim, fica sem muita vantagem ao seu lado, pois duas testemunhas chaves e decisivas do caso vão depor contra ele. Será uma árdua labuta para o time de defesa.

Conforme as ordenanças do tribunal forem se encaminhando, os advogados de Clemens focarão em diminuir qualquer condenação mais grave. Tudo leva para uma derrota acachapante, basta os procuradores fazerem um trabalho eficiente. Bonds também tinha tudo a perder, contudo contou com a audácia do sue personal trainer e saiu com uma condenação - o que criou um clima de "empate" na decisão, nenhum dos lados saiu completamente satisfeito.

Ileso Clemens não sairá. Um “empate” já será considerado uma vitória magnífica. Difícil acontecer outra coisa que não seja uma condenação (ou mais) pelas seis acusações. O seu time de advogados tem que agir com astúcia e destreza, incorporando o estilo Alicia Florrick*.



(GL)
Escrito por João da Paz


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*personagem interpretada por Julianna Margulies no seriado “Pelo Direito de Recomeçar” (The Good Wife)

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