O desserviço da Revista ESPN

Na atual edição de Agosto, a Revista ESPN traz uma matéria sobre a NFL, liga que começa a temporada 2012-13 no próximo mês. Assinada pelo jornalista Paulo Mancha, a reportagem tem o título de “Futuro Mal-Assombrado” e, conforme está na chamada da capa que traz o Felipão, técnico do Palmeiras, tem como destaque:

“NFL: tragédias põem em risco o esporte mais popular dos EUA”.

Há diversos erros em todo este material, sendo o menor deles creditados ao autor do texto, que apenas expôs sua opinião do que achou mais importante sobre a liga de futebol americano no mês de julho deste ano, quando um dos editores da revista, Rodrigo Borges, pediu um texto daquilo que estava em evidência.

O jornalista, freelancer, escreveu o que achava relevante, um texto válido se fosse posto como uma coluna ou artigo opinativo, e não como chamada em capa – sem contar as veiculações na TV ESPN Brasil e Internacional, reverberando as ditas "tragédias e escândalos que abalam a NFL".

Tudo isto passa uma imagem da liga extremamente longe da realidade, entregando ao desavisado uma dúvida fútil. “Será que a NFL está realmente correndo perigo?”. Mesmo a revista tendo uma irrisória tiragem e circulação, é preocupante esta abordagem pela sigla que estampa a capa: ESPN, um nome que tem credibilidade.

A matéria “Futuro Mal-Assombrado” ganhou este título da revista, pois o Mancha enviou seu texto com o título “Sucesso e Perigo”. Com este último título, a matéria teria mais razão, já que o jornalista descreve que a NFL passa por um bom momento. O “perigo” é ressaltado nos processos que a liga sofre de ex-jogadores acerca das concussões, no suicídio de um jogador de renome, Júnior Seau, e no caso bounty envolvendo o New Orleans Saints, que consistia em recompensa financeira que jogadores do time recebiam por lesionar adversários.

Sim, todos os tópicos são de apreço, porém nada que mereça valor de ser destaque e ecoado da forma que é vista.

No Grandes Ligas, o assunto concussões (lesões cerebrais) sempre esteve em pauta. No mais recente artigo sobre o tema, “O inferno são os outros e a culpa não é minha – Maio 2012”, é discutida a farra que está sendo estes processos contra a liga, envolvendo inclusive punters, kickers... Lá tem um dado notório que mostra o exagero que esta questão ganhou:

Para exemplificar, note a repercussão que um estudo científico divulgado ontem (dia 09/05) gerou. O NIOSH (Instituto Ocupacional de Segurança e Saúde Nacional) é uma agência federal americana, pertencente ao Departamento de Saúde e Serviços Humanos do Gabinete de Governo dos Estados Unidos, e tem como campo de atuação o levantamento de pesquisas sobre prevenção de doenças e acidentes de trabalho. Fizeram um acompanhamento com 3.439 jogadores aposentados da NFL e descobriram que a taxa de morte neste grupo foi menor do que a dos homens americanos. Proporcionalmente, para ficar dentro da média, se esperava que deste número, 625 jogadores falecessem, enquanto o número de mortos foi de 334.

O “sucesso” da NFL é infinitamente maior que o “perigo”, e o comissário (chefe) da liga, Roger Goodell, estabeleceu medidas drásticas para diminuir o contato dentro de campo com o objetivo de diminuir as tais concussões. Está sendo tão rígido que alguns envolvidos com o esporte dizem que o jogo está ficando muito leve, cheio de não me toque.

O “sucesso” da NFL é infinitamente maior que o “perigo”, visto os últimos contratos com emissoras de TV que a liga assinou:

#Entre 2014 e 2022 (valores anuais)
- NBC: US$ 950 milhões
- CBS: US$ 1 bilhão
- FOX: US$ 1.1 bilhão

#Entre 2014 e 2021 (valor anual)
- ESPN: 1.9 bilhão

Uma propaganda no jogo de domingo à noite nos Estados Unidos (Sunday Night/NBC) custa 400 mil dólares; na segunda à noite (Monday Night/ESPN) um reclame vale 300 mil dólares.

Segundo The Wall Street Journal, a Nike (fabricante de material esportivo) firmou um contrato com a NFL para os próximos cinco anos valendo US$ 1.1 bilhão pelo período.

Se “tragédias põem em risco o esporte mais popular dos EUA”, por que tanto investimento na NFL a médio e longo prazo? Quem iria se associar com uma marca em risco, injetando milhões e bilhões de dólares?

A NFL goza de um sucesso ímpar. Na Fall Season 2011 das emissoras americanas, 18 dos 20 programas mais assistidos foram jogos da liga. E Mancha disse isto ao responder (via e-mail) as perguntas que lhe fiz, afirmando que “... o texto [Futuro Mal-Assombrado] diz que a NFL passa por um momento de esplendor, como a liga mais rica e popular dos Estados Unidos”.

Então por que a ênfase no “perigo” ao invés do “sucesso”?

Entrei em contato com a revista ESPN para ouvir a opinião deles sobre a matéria. O editor Rodrigo Borges está de férias. Não obtive retorno do Gian Oddi, editor-chefe. As respostas que consegui foram com o diretor de redação da revista, Caio Maia.

Porém, a pessoa mais importante da revista, supostamente a que deveria demonstrar um bom exemplo como líder, respondeu com indelicadeza as questões.

Por exemplo, fiz a mesma pergunta para o Paulo Mancha e Caio Maia: Quem teve a ideia da pauta? Mancha respondeu cordialmente e de forma correta: “A revista entrou em contato comigo e pediu uma matéria sobre NFL”.

Esta foi a resposta do Caio Maia para a mesma pergunta “Quem teve a ideia da pauta foi o Capitão América, em conversa com o Carmelo Anthony. O Mancha é da Disney, a gente só se relaciona com a Marvel”.

Chega a ser engraçado, mas a ironia desnecessária mostra o tom de desrespeito.

Perguntei para o diretor da redação: “Por que o título [da matéria] foi mudado?”. Ele respondeu: “O título foi mudado para te sacanear. Toda edição tem uma reunião para saber como sacanear pessoas como você”.

Este comportamento não compete a alguém que exerce um cargo tão importante numa revista. A ESPN, tanto a americana como a brasileira, precisa ter cuidado com sua marca, para não ficar manchada desta maneira.

Ao lado do final da reportagem tem uma publicidade de página inteira do site Extra Time, que se acha “o melhor site em português de esportes americanos” - a imagem da propaganda é uma bola de futebol americano. Quem conhece a mídia, seja profissional ou o grande público, sabe que este status é mentira. Na parte esquerda da página, no canto superior, tem uma sigla que desvenda o porquê desta propaganda: F451.

F451 é uma editora que assumiu a publicação da revista ESPN em janeiro de 2012. A F451 também responde pelos sites Trivela (futebol), Tazio (automobilismo) e... Extra Time (esportes americanos).

Caio Maia faz parte da Globalway, uma empresa de investimentos. A Globalway comprou a Spicy Media, rebatizada de F451 Mídia. Servindo como diretor de conteúdo da F451? Caio Maia.

Hum!

Problema. Se fosse uma promo de plataforma da ESPN, tudo bem. Mas, se aproveitando da matéria da NFL, é veiculada uma propaganda de um site ligado ao grupo do diretor de redação da revista ESPN.

A emissora deveria ficar mais atenta a isto. Seria melhor sair deste projeto e abrir espaço para que a publicação passe a ser chamada de Revista F451; sendo assim muito mais apropriado.

Não se relacionaria com decisões errôneas, com comportamento indigno de uma pessoa que exerce um cargo importante e não se envolveria com hipóteses de matérias equivocadas.


(GL)
Escrito por João da Paz


© 1 Reprodução Revista ESPN

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