Elas e o futebol americano: histórias de alegria e tristeza

Na semana internacional da mulher, foi escrito mais um capítulo da encorajadora luta por espaço. Presidente de empresas e líderes de nações, as mulheres têm alcançado pontos significativos e de relevância na sociedade pós-moderna. Logo, entrar num time de futebol americano não é lá tão importante. Mas para Mary Morlan Isom (conhecida por Mo Isom – foto acima) conseguir entrar no time de football da LSU, super tradicional universidade da NCAA, é um desafio que vale ser enfrentado.

Para repetir o que Katie Hnida fez em 2003 na Universidade de New Mexico, a primeira mulher a ser kicker em um time da NCAA. Porém Mo Isom tem uma história mais alegre de ser contada do que Katie.

Mo Isom é formada na LSU em jornalismo e nos seus quatro anos de graduação atuou como goleira no time de futebol da universidade. Teve performances marcantes neste período e ganhou destaque ao conseguir marcar um gol após cobrar uma falta no seu lado defensivo, chute que atravessou todo o campo e um quique traiçoeiro enganou a guarda metas adversária.



Mesmo com o diploma em mãos, ela pode atuar por um ano no time de football e desde o ano passado a ideia foi se desenvolvendo. Mo Isom chamou um ex-center da LSU, Jason Crappell, para ajudá-la em kickoffs e field goals. O treinamento rendia muito e ela procurava aprimorar sua condição física na sala de musculação dos Tigers.

Em Janeiro de 2012 o time de football recebeu um comunicado dela se podia participar da seletiva de Março para fazer parte do elenco. O renomado treinador Les Miles aceitou e disse que a encontrava dois meses depois.

A situação passou a ficar séria. Mo Isom não tava pra brincadeira e a confirmação da sua participação na concorrida seletiva mostrava que a comissão técnica da equipe queria ver a habilidade desta garota. O treinamento, então, passou a ser mais intensivo com duração de segunda à sexta, alternando exercícios físicos e treinamento com bola.

Neste período ela ganhava mais apoiadores, principalmente vindo dos (futuros?) companheiros de time. Mo Isom é muito popular na universidade e conviveu com muitos dos meninos no campus e em classes ao longo destas últimas quatro temporadas. Ela os recebia nos jogos de futebol e levava suas colegas para assistir os jogos de football. Além disto, Mo Isom tem uma reputação forte na universidade, muito participativa em várias áreas: trabalho voluntário, debates... É bem engajada em tudo relacionado aos Tigers.

Tem também o título de “Rainha”, a musa da universidade.

Um dos obstáculos seus é justamente este: mostrar que é mais que um rosto (corpo e tudo mais) bonito. Esta tentativa de entrar num dos programas elite de football da NCAA é visto pelos seus críticos como uma jogada de marketing, para chamar a atenção. LSU também sofre este tipo de comentário, por ganhar uma publicidade extra com esta seletiva.

Por isso que tudo ficaria às claras quando o teste começasse.

Dois dias de treinamento no campo. O primeiro foi na terça dia 6, mas os kickers (e a kicker) não tiveram bom rendimento devido às condições climáticas desfavoráveis – foi aproveitado para fazer outras análises. Então quinta dia 8, o Dia Internacional da Mulher, se desenhava como decisivo.

Mo Isom foi muito bem. Acertou field goals e kickoffs com uma constância acima da média e conseguiu converter field goals de 50 jardas (!), um do centro do campo e outro da hash marks (linha pontilhada). Produção excelente. Resta aguardar.

Amanhã (dia 12), o treinador Les Miles irá divulgar os resultados. Ela aguarda ansiosamente o resultado. Pode ser mínima, mas existe a chance dela entrar no time. Repetindo o feito que Katie Hnida conquistou, mas Mo Isom quer ter um roteiro diferente.


Katie (foto acima) também teve ao seu lado um renomado treinador: Rick Neuheisel. Katie entrou no time da Universidade do Colorado em seu ano de novata com o aval de Neuheisel. Contudo ele deixou o time indo para a Universidade de Washington. Seu substituto, Gary Barnett, não concordava com a participação de Katie, a manteve no elenco como kicker, mas não a colocou pra jogar em nenhum jogo – apesar de sempre ser inscrita para os jogos.

Na sala de aula Katie aprendia como lidar com o pensamento humano e seu comportamento. Escolheu psicologia como curso de graduação. Nos três anos que esteve em Colorado, teve que lidar com estas características. Todos os dias.

Foi abusada. No começo eram piadinhas dentro do vestiário. Não era só o treinador que não queria ela no time, os jogadores também. Do verbal passou para o visual. Os meninos mostravam suas partes íntimas para ela. Do visual passou para o sensorial. Nos momentos de reunião do grupo (huddle), em campo ou no vestiário, os meninos passavam a mão nela, tocando-a em todas as partes do corpo. Do sensorial passou para o criminal.

A situação passou a ficar séria. Estava na casa de um de seus companheiros de time assistindo televisão. Aos poucos o rapaz foi se aproximando dela. Katie buscava se desvencilhar do grandalhão, mas não obteve sucesso: foi estuprada. Num momento de vacilo do infeliz, Katie conseguiu escapar. Mas uma página tenebrosa se fez em sua vida, difícil de ser arrancada.

As aulas de psicologia, ao menos, ajudaram Katie e superar o trauma que viveu. Saiu de Colorado em 2001 e no ano seguinte entrou na Universidade de New Mexico. Tornou-se kicker do time de football dos Lobos. No dia 30 de Agosto de 2003, Katie marcou dois pontos extras contra a Universidade Estadual do Texas, a primeira mulher a marcar pontos na história da NCAA (primeira divisão).

Batalhas mentais das mais tensas foram travadas e Katie teve habilidade para sobrepor às adversidades. Um momento simplesmente repugnante teve que ficar pra trás. Não foi esquecido. Mas sempre que falarem sobre mulher em time de football é necessário lembrar de Katie Hnida. Por mais que tenha enfrentado degradantes episódios, desbancou situações desagradáveis. E marcou os pontos que a fez entrar para a história, pontos que deram a ela um lugar entra as grandes mulheres que buscam seu espaço.

Se Mo Isom entrar para o time da LSU, será pelo que ela fez no Dia Internacional da Mulher. Nada mais simbólico! Se for reprovada, não será problema. No meio deste ano terá outra seletiva e ela disse que estará presente. Nada de desistir facilmente.

Mo Isom leva a sério sua tentativa de ser uma kicker num time de futebol americano. Elas já comandam tudo e a todos; ser membro de um esporte de homem é o que faltava? Presidentes de empresas, líderes de nações... Uma destas mais famosas dá a dica para manter a esperança:

Bem antes das eleições de 2010, em Fevereiro, a CNT/Sensus divulgou uma pesquisa que mostrava Dilma Rousseff se aproximando do então primeiro colocado José Serra. Visto como uma crescente positiva, Dilma mostrou enxergar a realidade e saber qual era seu lugar ao dizer: “Na vida, a gente não sobe em salto alto. É só uma pesquisa. Feliz eu não estou”.

Insatisfação que a fez presidente do Brasil.



(GL)
Escrito por João da Paz


* Leia Eu gosto de macarrão de salsicha: o ódio à NFL e porque elas têm razão – as mulheres torcedoras

Nenhum comentário:

Postar um comentário