A Filantrópica de Tampa Bay


Ela conhece o mundo da NFL, mais especificamente daqueles que fizeram a liga grande e popular. Gay Culverhouse, ex-presidente dos Buccaneers, é a líder principal na luta travada entre os jogadores aposentados e a alta cúpula da NFL. Seu trabalho, sem fins lucrativos, consiste em ajudar os veteranos atletas que sofrem de alguma doença mental a obter beneficio da liga – o detalhe é que a burocracia impera nesta área.

Antes de adentrar nas nuances do problema, algumas perguntas são pertinentes: o que move Culverhouse? Quer dizer, por que se dedicar inteiramente, aos 63 anos de idade, a homens que enfrentam graves distúrbios de perda de memória? Ela, enquanto presidente dos Bucs no começo da década de 90 (1991-1994), estava estudando sobre o assunto. Apesar de ter chegado ao cargo com a ajuda do pai, então dono da franquia, era uma executiva de bom trato com seus atletas e criou uma boa relação com eles.

No meio tempo, três diplomas a fez especialista e lhe deu autoridade para falar sobre essas questões: Bacharelado em medicina na Universidade da Flórida, Mestrado em doenças mentais pela Universidade Columbia (uma das melhores do mundo) e Doutorado em educação especial também pela Columbia. Seu gosto por cuidar de pessoas elevou a um grau maior quando uma tragédia ocorreu e lhe abriu os olhos.

Um dos seus atletas na época, o offensive lineman Tom McHale, morreu em maio de 2008 ao tomar uma overdose de remédios. Tinha apenas 45 anos de idade, mas sofria de uma crônica encefalopatia traumática, traço comumente diagnosticado em lutadores de boxe. Ao saber do caso por completo, Culverhouse buscou descobrir se outros jogadores que atuaram no Tampa Bay sofriam de algo parecido. Depois de dois anos de busca, ela já cuidou e/ou encaminhou mais de 20 ex-Bucs.

Se McHale é o exemplo do descaso, há um bom exemplo do que pode ser feito. Jerry Eckwood foi durante toda sua carreira na NFL, de 1979 a 1981, running back dos Bucs. Desde que largou o esporte ele sofre de demência, mas em campo já demonstrava sequelas das constantes pancadas sofridas; várias vezes ele ia em direção do banco adversário e para o huddle do outro time. Sua passagem foi curta porque o problema era sério.

Culverhouse fez um propósito de achar Eckwood e ajudá-lo. Encontrou um homem abandonado pela NFL, sem assistência alguma da liga – a Universidade Arkansas, onde estudou, contribui com exames e tratamento. Ele então se tornou um dos primeiros ex-jogadores auxiliados pelo “Gay Culverhouse Player´s Outreach Program", criado para ser o elo unificador entre a NFL e os ex-atletas que precisam de ajuda médica e financeira.

Os investimentos na fundação tiveram inicio no bolso da anfitriã, doando cerca de US$ 400 mil dólares com o objetivo de encontrar mais ex-jogadores e orientá-los a conseguir uma pensão da NFL. O empenho dela ganhou um destaque enorme e no ano passado foi convidada pelo Congresso dos EUA para depor sobre as concussões ocorridas em jogos de football, sobre suas consequências e o quê tem sido feito para tratá-las. Sentada ao lado do comissário da NFL Roger Goodell e do presidente do sindicato dos atletas da NFL DeMaurice Smith, Culverhouse não se intimidou e falou com firmeza e direta ao ponto. Acusou tanto o sindicato quanto a NFL de negligência e cobrou atitude de ambas instituições.


Um ano após a sabatina, a NFL se aproxima da ação assistencialista, reconhece o brilhante esforço que ela faz e anuncia que irá apoiar o programa. Não será por meio de doações diretas, mas uma contribuição para que haja mais agentes a procura dos ex-jogadores e mais palestras para informá-los dos direitos que eles têm. Já é alguma coisa.

A dificuldade maior é conseguir preencher as papeladas e obter dinheiro da NFL. É preciso provar que os problemas mentais são decorrentes do tempo que determinado jogador esteve na liga. Para isso a limites de idade para pedir a pensão e certas barreiras em relação ao dinheiro a receber. Culverhouse esclarece as entrelinhas e, agressivamente, enfrenta a NFL em favor dos ex-jogadores.

Um clichê foi criado por ela ao ser indagada constantemente sobre por que faz isto: “Se eu não fizer, quem irá fazer?” Esta é uma interrogação afirmativa, porém sem resposta. Culverhouse, está de “hora extra”, pois seus médicos, em 2003, lhe deram apenas 5 anos de vida pela frente. O diagnóstico veio por descobrirem uma rara enfermidade: Mielofibrose Idiopática – pode se dizer que é um conjunto de infecções no sangue. Culverhouse tem três doenças raras em seu fluxo sanguíneo, todas de causas desconhecidas. Ela acredita ser resultado da poeira química respirada no dia do ataque às Torres Gêmeas de New York em 11 de Setembro de 2001 – era uma das pessoas que estava andando perto do local.

Ao saber do prazo dado pelos doutores, tudo foi preparado para sua despedida. Testamento foi escrito, epitáfio pronto... Mas o modo de pensar mudou e uma hora a mais passou a ser encarada como uma oportunidade ganha. 2.555 dias (ou melhor, oportunidades) depois, continua contando os feitos realizados e está à espera de novidades pela frente. Passou encarar a vida como uma missão e que esta tem que ser cumprida por ela.

A ironia do cotidiano causa momentos únicos. Enquanto ex-jogadores que sofreram concussões vão perdendo um pouco da sua vida a cada dia que passa, Culverhouse obtém um fôlego extra assim que o sol nasce e este sentimento de avivamento ela procura transmitir aos esquecidos pelos fãs, pela liga, pela memória... Quem passa pelas mãos da sobrevivente agradece a disposição desprendida para reforçar o conceito de sobrevivência que as vítimas de pancadas na cabeça precisam ter. Aí surge aquela história de que o um ajuda o outro, mas na verdade é o outro que ajuda o um.

Culverhouse desfruta de uma terceira idade difícil e tenebrosa, porém sua abordagem com as coisas corriqueiras é fruto de um método infalível: ajudar o próximo e ser feliz rindo das surpresas que a vida proporciona. Um dos seus netos – são 7 no total – está inserido nos esportes e decidido: ou vai ser jogador de football ou jogador de hockey. Para não perder o humor da trágico-cômica situação, a vovô coruja afirma: “Ótimo! Ou ele não terá cérebro ou ficará sem os dentes.”


(GL)
Escrito por João da Paz


© 1 Reuters Pictures
© 2 Chip Somodevilla / Getty Images

Nenhum comentário:

Postar um comentário