Ryan Braun e como lidar com um mentiroso


Parafraseando: atire a primeira pedra quem nunca mentiu.

Mas a mentira tem gradações? Tipo, há uma mentira mais grave que a outra? Ou mentir por si só é ruim o bastante?

Situações do cotidiano nos colocam a ponto de não falar a verdade, de omitir algo para se beneficiar, para escapar de um inconveniente. A honestidade é tão rara que é tida como uma virtude...

Nos inclinamos a acreditar no outro, por mais que tenhamos um coração duro. Sim, os céticos estão por aí, porém dar uma segunda chance a alguém é comum, prática quase que automática.

Todos devem ter uma nova oportunidade?

Ryan Braun, 29 anos, jogador do Milwaukee Brewers, foi suspenso da MLB até o final da temporada 2013 (65 jogos). Ele foi pego num exame antidoping em 2011, que mostrou níveis elevados de testosterona (hormônio masculino) em seu corpo. Em 2012 ele evitou uma punição de 50 jogos alegando que sua amostra foi manipulada e examinada de maneira incorreta. A MLB aceitou o apelo e Braun se colocou em frente a um púlpito em Fevereiro do ano passado para fazer uma auto defesa. Ação que ele pensava ser a ideal, mas que mancharia sua carreira pela cara de pau estampada naquele dia.

Braun, usando um microfone com o logo dos Brewers estampado, se posicionou de cabeça erguida perante a mídia e disse, entre outras coisas:

A verdade é sempre relevante e ela prevaleceu

Eu realmente creio do fundo do meu coração e aposto minha vida que substância alguma entrou em meu corpo em qualquer que seja a ocasião

Quando você sabe que é inocente é extremamente difícil ter que provar isso quando você é 100% culpado até provar inocência

Vou continuar em frente. Nós vencemos porque a verdade está do meu lado

Um ano depois o jornal alternativo Miami New Times (semanal) publicou reportagem que aponta ligação entre a clínica Biogenesis e jogadores da MLB. Essa clínica dava aos atletas esteroides para melhorarem suas performances em campo. Entre os nomes especulados que estivessem envolvidos no esquema, o de Braun estava presente. A substância comercializada é a HGH, responsável por acelerar a produção de hormônios.

A própria imprensa, e não a MLB, tratou de investigar o caso, se o reportado tinha veracidade e quais os laços entre o dono da clínica Biogenesis, Anthony Bosch, e os jogadores que teria atendido – entre eles Braun. Do portal Yahoo! à ESPN brotavam notícias sobre o caso e que de fato havia a tal conexão. Restava a MLB agir.

A liga dizia que seria rigorosa nas punições, seguindo o acordo firmado com o sindicato dos atletas. Se um atleta for flagrado no doping pela primeira vez, punição de 50 jogos; pela segunda vez, punição de 100 jogos; pela terceira vez, expulsão definitiva da MLB. Braun e Alex Rodriguez (do New York Yankees) seriam os primeiros nomes apresentados pela liga para iniciar o processo de punição – Rodriguez uma suspensão de 100 jogos. No último dia 22 de Julho a suspensão de Braun foi anunciada e o jogador sequer apelou. Assinou, concordou e não se colocou em frente a um púlpito para responder questões da mídia. Uma nota mequetrefe foi espalhada por aí, com uma frase que diz: “Quero pedir desculpas a todos que decepcionei...”.

Suficiente?

Braun vai perder uns US$ 3 milhões com essa suspensão, mas volta em 2014 para receber um salário anual de US$ 10 milhões. Seu contrato com os Brewers vai até 2020 e ele receberá ao final do vinculo mais de US$ 145 milhões.

Então?

Ao aceitar a suspensão sem argumentar contra, Braun admite que se dopou, que sabia o que estava fazendo e que violava as regras da MLB. Fora as mentiras que disse sem escrúpulo algum! Afinal, são assim os mentirosos: manipulam sem escrúpulos morais e não têm medo de que as pessoas desconfiem. Só que a casa caiu para ele; em termos, lógico.

Em termos porque seu mega-multi-milionário contrato está vigente. No ano que vem Braun estará jogando pelos Brewers ouvindo um forte apoio dos torcedores de Milwaukee. A franquia vai estar ao seu lado, pois o MVP da Liga Nacional de 2012 é o melhor jogador da equipe, o único capaz de gerar lucro ao clube que está no menor mercado comercial da MLB. Sem Braun, até a cidade de Milwaukee sofre.

Um pitcher dos Brewers, em entrevista ao repórter Pedro Gomez da ESPN, colocou em discussão um ponto de vista interessante: “Se um familiar/parente seu é pego trapaceando, você vai deixar de amá-lo? Você pode ficar triste, decepcionado, mas não vai deixar de amar alguém que é parte da família, não vai deixar a pessoa largada sem apoio, sem um conforto. Braun é família para nós”.

Uma justificativa que os fãs também vão usar. Braun não será vaiado no Mller Park, isso é certeza. O chefe de operações dos Brewers, Rick Schlesinger, disse em entrevista ao diário Mlwaukee Journal Sentinel que as vendas de produtos relacionados a Braun teve uma aumento de vendas no estádio após o anúncio da suspensão.

Até Barry Bonds é aplaudido, vejam só. Em San Francisco ele está imune às vaias, como se a cidade não soubesse o que aconteceu com Bonds, um cara indiciado em acusações de perjúrio (jurar falsamente) por dizer que nunca tomou esteroides e obstrução de justiça por mentir para um júri  (investigação do caso BALCO). Foi condenado.

Os apologistas de Bonds usam cada desculpa esfarrapada para defendê-lo que dá aquela famosa vergonha alheia. Braun terá apologistas do mesmo naipe? Talvez. Contudo cabe refletir sobre o seguinte: Bonds e Braun merecem uma condenação eterna por mentir? E o perdão?

Especialistas e ex-jogadores querem uma punição mais rigorosa para quem busca tirar proveito ao usar substâncias ilegais. Lembram dos atletas que jogam limpo, daqueles que – por exemplo – foram preteridos pelos dopados em Jogos das Estrelas, perdendo a oportunidade de se expor ao grande público e de firmar bons contratos publicitários, de ganhar bônus e etc.

Quem fere o regulamento comete um erro. E quem mente ao dizer que não feriu o regulamento, erra mais? Essa pessoa, que jura inocência mesmo com o conhecimento puro de ter violado as regras, é digno de aplausos e um contrato anual de US$ 10 milhões?


(GL)
Escrito por João da Paz

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