Ainda criança sonhei: imagina eu jogando um Super Bowl!
Desejo longínquo, embora servisse como escape para o estressante cotidiano que vivia. Gostava de estar nas ruas, melhor do que ficar dentro de quatro paredes presenciando brigas e mais brigas dos meus pais. Era uma casa sem atrativo algum, um lar quebrado.
Então assim passei minha infância: da escola para rua. Caminhava numa linha tênue e perigosa que me direcionava a um lugar nada promissor. Ao meu redor observava amigos que percorreram esse trajeto e seus semblantes não eram agradáveis. Pelo menos pude vê-los; outros não voltaram. Apelidei o fim da estrada de perdição.
Por que atraia tanta gente? Aparentemente brilhava um “q” de felicidade, sentimento que buscávamos insistentemente. Mas era um kit do mal e do bem. Tinha dinheiro, fama, mulheres... Tinha drogas, crimes, ilegalidade... Tinha desgraça, maldade, traição...
Mentiria se dissesse que não pensei em continuar nesse caminho. Nada perderia. Saí porque, após pensamentos e reflexões, cheguei à conclusão que não valia o risco. O problema era que desconhecia outros caminhos para percorrer.
Na escola achei um, que na verdade apresentou-se para mim. Nome esporte e sobrenome estudo. Queria extirpar o sobrenome da equação, porém informaram que não dava.
Pensei e refleti: esse kit é mais proveitoso.
Minha escolha de esportes se restringiu a dois. O basquete ou o futebol americano. Fiquei com o último, já que a dinâmica do jogo causava em mim mais atração – e gostava tanto do Super Bowl... Requisitos necessários para praticar o esporte iam além da condição atlética (elite), conhecimento acadêmico mostrava ser imprescindível. Só podia jogar com notas boas.
Bolei um plano e passei a estudar com dedicação. As ruas ficaram para trás. Agora a concentração focava em livros e exercícios físicos. Decidi não apenas participar das aulas e/ou do time de futebol americano. Já que estava nessa optei por ser o melhor.
Na verdade não tinha muitas opções.
Diziam para mim que as possibilidades de ser bem sucedido na vida eram boas. Com o empenho que fazia podia seguir uma carreira (com ajuda dos estudos) ou ser um jogador profissional. A última ideia me agradava, a chance de participar de um Super Bowl tornava-se mais provável.
Quando entrei no time da escola fiquei muito contente, passei por experiências fantásticas! Mostrava um talento considerado satisfatório - palavras dos meus treinadores (risos). Eles diziam para eu não me empolgar muito, porém se continuasse nesse caminho poderia entrar numa (importante/grande) universidade.
Como assim? Faculdade? Nossa, jamais passava pela minha mente algo do tipo.
Notícia dada aos meus pais e automaticamente sentia paz vinda de ambos. Passaram a acompanhar meus jogos sexta à noite, momentos raros da semana sem briga ou xingamentos baratos lançados ao vento. Viam em campo seu único filho com a oportunidade de ser alguém de valor, que viveria mais de 22 anos.
A temporada de transição escola-universidade foi maravilhosa. Um sentimento indescritível, tudo graças a um esporte. O futebol americano me tirou do caminho das trevas e abriu as portas de uma importante/grande universidade. Evidente que precisava continuar meu empenho para completar a carreira na faculdade, porém essa era a parte mais fácil. Notava garantido um futuro digno para minha família. Seja pelo diploma, seja pelo jogo.
Ciente estava. Ciente que escolhi uma careira curta e perigosa. Ciente que escolhi a carreira que pode ser gloriosa ou decepcionante. Ser atleta profissional de futebol americano tornou-se a meta. No mesmo tom de voz que ouvi na escola os treinadores da faculdade me disseram: Não se empolga garoto, mas se continuar assim você entra na NFL.
Como assim? NFL? Ganhar dinheiro jogando futebol?
E Super Bowl, porque não...
Daí dei um plus na minha dedicação. Meus pais, em condições ainda precárias, brigavam bem menos e nos sábados assistiam aos meus jogos. Jogava pela universidade, jogava pelos meus companheiros, jogava pela minha família, jogava por mim, jogava pelo meu futuro.
Jogava pela minha vida.
O trabalho traz recompensas gratificantes. O esforço não foi em vão. O que plantei colhi. Não sabia que lágrimas cairiam dos meus olhos quando atingi o objetivo traçado. Lágrimas que desciam quando estava triste apenas. Não sabia que lágrimas eram capazes de ser produzidas quando estávamos alegres. Venci a estatística e com 22 anos oficialmente virei um jogador de futebol americano profissional quando o comissário da NFL, Roger Goodell, chamou meu nome e entregou-me a camisa do meu time. Dei nele um abraço de urso – claro – e sem vergonha alguma tirei fotos com o rosto manchado, porém com um sorriso que desviava as lágrimas que escorriam.
Super Bowl sim! Lembrei do versículo bíblico que por muitas noites trouxe conforto:
“Os que semeiam em lágrimas segarão com alegria. Aquele que leva a preciosa semente, andando e chorando, voltará, sem dúvida, com alegria, trazendo consigo os seus molhos”
Salmos 126:5-6
Quem poderia impedir, se o esforço for com mais qualidade? O alvo era esse então.
Agora os jogos são aos domingos, mais rápidos, mais violentos, mais importantes, mais competitivos. E nós, jogadores, passamos por tanta coisa, tantas dificuldades. Partida após partida são apresentados a nós árduos desafios a serem batidos. E passamos por ele. Batalhas diárias para vencer lealmente outros atletas com talento igual (ou melhor) que o seu. Contudo competição é assim, tem os vencedores e os vencidos.
Estar do lado derrotado não é fácil. Principalmente quando se chega perto do grande jogo!
Mas estar do lado vencedor é tão bom!
Neste domingo vou vivenciar as imagens que meu subconsciente infantil criava quando dormia. As chances estão aí! Posso falhar e deixar bola cair. Posso errar e você pode me xingar e proliferar palavras torpes em frente à TV. Meu time pode perder e a probabilidade do choro rolar é alta. Aí alguém dirá: “Choro de um perdedor!” #Loser
Tá. Tudo bem. Tudo bem porque o contrário pode acontecer. Meu time pode vencer e a probabilidade do choro rolar é alta. Aí alguém dirá: “Choro de um campeão!”.
Você conhecerá minha história, aprenderá quais foram meus passos e perceberá que o choro mais significativo foi aquele antes da grande decisão começar. Bandeira americana no campo, aviões passando em cima do estádio, hino entoado por milhares.... Foi quando chorei igual a uma criança.
Foram as lembranças do sonho.
(GL)
Escrito por João da Paz
Escrito por João da Paz
Um comentário:
Excelente Texto, daria um bom filme
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