Sem ufanismo barato, brasileiro faz temporada notável na NCAA


Carente de ídolos esportivos, o povo brasileiro glorifica qualquer um que tem o mínimo de sucesso. No salão mundial dos grandes atletas, o Brasil tem representantes dos mais expressivos e importantes, mas somos especialistas em agir como adolescentes desenfreadas atrás de uma boy band quando vemos um esportista brasileiro desfrutando vitórias, por mais que nem sejam tão representativas. Para não variar, essa pobre mesmice persiste e o alvo da vez é Cairo Santos (foto acima), kicker da Universidade Tulane, que faz temporada magnífica e pode quebrar recorde, ganhar prêmio individual e ser parte da história do futebol americano universitário.

É isso. Isso apenas. Por enquanto, nada mais.

Como vivemos um complexo de vira lata às avessas – comportamento possível de ser observado no tratamento dado ao Leandrinho e Nenê na NBA –, Cairo Santos, por concorrer ao troféu de melhor kicker da NCAA pela temporada 2012-13, é tido por aqui, desde o anúncio dessa premiação na última segunda (19), como “o brasileiro que pode ir à NFL!” e/ou “aquele que pode mudar a cena do futebol americano no Brasil!”.

Menos gente, bem menos...

Ambas as situações podem ocorrer? Sim. Mas estão longe da realidade. Contudo são observações comuns, típicas de quem louva o nadador César Cielo e desfere as mais torpes palavras ao vê-lo ficar com a medalha de bronze na prova dos 50m livre – foi ouro em Pequim na mesma prova quatro anos antes. Torcedor tem direito de opinar e falar o que achar ser correto, mas proferem fundamentos fracos: não conhecem a história dessa competição, não conhecem os outros competidores e não usa o bom senso (porque não sabe utilizá-lo ou porque não tem).

Essa estupidez brasileira, vista no caso Cairo Santos, não é a primeira que as grandes ligas americanas tem a oportunidade de presenciar. O patetismo teve sua melhor forma quando Yan Gomes estreou pelo Toronto Blue Jays na Major League Baseball (MLB). Foram comportamentos esdrúxulos ao ponto que não merece explicação.

A qualidade da piada quando é assunto é kicker brasileiro no futebol americano (NFL) tem pouca consistência atualmente, afinal pessoas falavam seriamente em testar os jogadores Branco (campeão da Copa do Mundo de 1994) e Adhemar (popular atleta que ganhou fama vestindo a camisa do São Caetano). Há três brasileiros próximos de ser um kicker profissional de futebol americano e Cairo é mais um dos que podem conquistar espaço no principal campeonato dos Estados Unidos.

Eddie Camara é quem percorreu o melhor caminho, mas uma lesão o forçou a se transferir para segunda divisão da NCAA. Membro da Universidade Central Arkansas (UCA), o natalense fez high school (ensino médio) numa das mais tradicionais escolas dos EUA com programa de futebol americano: Cedar Hill, estado do Texas. Suas performances foram decisivas, levantando troféu e tudo mais. Recrutado por grandes universidades, escolheu a super poderosa Arkansas, membro da SEC, conferência mais forte da NCAA. Chegou para ser titular, porém a lesão no ACL (ligamento do joelho) que teve em Cedar Hill o traiu: cirurgia! Ficou difícil sua situação na equipe e seguiu conselho do seu treinador Bobby Petrino, como disse em entrevista para o blog em Dezembro de 2011:

Após a recuperação, falei com o treinador que queria jogar, se não aqui [Arkansas] em outra universidade. Por gostar muito de mim, aconselhou que fosse melhor sair para não perder mais um ano”.

Camara é segundanista – duas temporadas na NCAA. Como ficou de “molho” (redshirt) no primeiro ano de faculdade, pode optar por entrar na NFL no próximo draft. Está muito bem na UCA, com um 2012 (83,3% FG) melhor que 2011 (73,7% FG).

Maikon Bonani, kicker da Universidade do Sul da Flórida (USF) é veterano e deve aparecer no draft de 2013 da NFL. O paulista não foi bem na temporada chave, a de júnior (terceiro ano), com um aproveitamento de FG abaixo do ideal: 73% - perdeu 7 field goals. No atual campeonato ele melhorou, errou apenas 4 FGs e está com aproveitamento de 80%, mas não foi chamado para o Senior Bowl, jogo crucial para se apresentar aos scouts (olheiros) da NFL, partida onde atuam apenas jogadores veteranos.

Cairo Santos está se destacando justamente na rotulada “temporada NFL”, com aproveitamento de 100% (20 de 20) e se manter assim, após jogo contra a Universidade de Houston, será apenas o segundo kicker na história da NCAA a chutar – e acertar – +20 field goals. Dos 20 FGs convertidos até agora, 12 foram de +40 jardas, maior número do campeonato.

Sim. Cairo é merecedor de elogios e parabéns; pelo o que fez e não pelo o que pode fazer. Esses números são formidáveis e a Universidade Tulane promove uma campanha especial a favor do paulistano, pois o prêmio que ele concorre, o Lou Groza Award, desfruta de sólido prestígio. Muitos kickers de renome venceram o troféu de melhor kicker da NCAA como Dan Bailey, Nate Kaeding, Sebastian Janikowski (duas vezes), Mike Nugent e o argentino Martin Gramática, que levou em 1997 pela Universidade Estadual do Kansas.

Embora atue numa inexpressiva universidade, Cairo tem currículo escolar bom, oriundo da Saint Joseph Academy, Flórida – estado que, assim como Texas, tem os melhores campeonatos de high school dos EUA. Em 2010 estreou como kicker titular por Tulane, terminando a temporada com 81,3% de FGs. Teve queda no aproveitamento de FG em 2011 com 7 erros em 18 tentados (61,1%). Para mostrar que é mesmo um kicker 100%, precisa manter o nível na temporada de veterano; então ir para a NFL em 2013 não é cogitação plausível / real.

Potencial para tornar-se jogador de futebol americano profissional, digno de aplausos, fora o nacionalismo vergonhoso, Cairo não tem culpa das ridículas expectativas que são postas em cima dele originadas de pessoas que o conheceram nessa semana. Que ele mantenha distância desse pensamento e lembre do que esperava da temporada 2011: após errar apenas 3 FGs como novato, queria ser perfeito na temporada seguinte; não deu. Terá uma segunda chance para tanto na temporada que vem.

Isso é importante para ele. Os ingênuos ficam com as discussões vazias e improdutivas.


(GL)
Escrito por João da Paz
© 1 Tulane Media

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