O inferno são os outros e a culpa não é minha


A NFL passa por uma crise de imagem e o comissário Roger Goodell (foto acima), o chefão da liga, faz de tudo para evitar manchas permanentes. Sua escolha é proteger o jogo e o escudo da organização, mas o público, junto com uma parcela dos jogadores, dizem que o homem de terno está prejudicando o jogo.

Na semana passada, mais de 100 ex-atletas entraram com um processo federal na cidade de Atlanta, estado da Georgia, contra a NFL. Entre os motivos estão: “...o football profissional não alerta seus jogadores apropriadamente sobre concussões”; “...a liga falha em proteger seus jogadores de lesões cerebrais relacionadas com o football”; e “...não foi feito o suficiente para informar os jogadores sobre os perigos destas concussões e o descaso continua”.

Poderia estar nestes autos: “A NFL é culpada por todos os problemas que tenho”.

Estas centenas de jogadores formam com outros milhares uma frente contra a NFL e as concussões que acontecem no campo de football. Que o esporte é violento todos sabem, mas será que os jogadores tem esta noção? Que ao vestir o uniforme por cima de um equipamento protetor, colocar o capacete e entrar no gramado, correm grande risco de se lesionar? Será que nenhum destes acusadores é homem para se colocar de pé e assumir responsabilidade por suas ações?

Claro que estas lesões cerebrais (concussões) é um problema sério no futebol americano – tema abordado aqui no Grandes Ligas – , porém é preciso tomar cuidado com a generalização e determinar um julgamento utilizando puramente o senso comum em detrimento do científico. Destes milhares de jogadores/delatores, todos são de fato vítimas de concussões? Ou estão querendo fugir da responsabilidade e tentar aproveitar a situação?

Entre as histórias destes ex-atletas há os que culpam a NFL porserem viciados em apostas – recaída que vem de problemas mentais, estes originários do tempo de pancadas fortes dentro de campo, dizem. Perceba a longa intercalação até chegar na NFL; o que se repete na maioria dos casos protocolados.

Um comportamento típico do ser humano. Ou o filho é ruim nos estudos por culpa sua (pai ou mãe)? É culpa do governo, da escola, dos professores, dos amiguinhos... E os pais não tem nada a ver com isto! Se fulano bebe é porque um parente é/foi alcoólatra; se sicrano tem uma vida dissoluta é culpa do sistema; se beltrano de tal tem comportamento agressivo é culpa da música que escuta; (e assim vai).

Circunstâncias podem sim influenciar, mas ela não é agente de qualquer ação de uma pessoa. Queiram ou não, somente nós podemos prestar conta pelo que fazemos e quais atitudes tomamos, por mais que haja uma combinação de causa externa e interna para o comportamento do ser humano. Contudo, a predisposição é jogar a culpa no outro, o que a psicologia chama de projeção.

Mesmo que eu crie meu “inferno”, o responsável pela obra “são os outros”.

Nem todos os jogadores que passaram pela NFL – ou estão em atividade – sofrem concussões. Nem todos diagnosticados com concussões possuem graves problemas psicológicos. Nem todos que possuem graves problemas psicológicos têm esta patologia diretamente ligada às concussões. Alguém precisa aparecer para desenhar a linha que separa o lógico do ilógico.


Para exemplificar, note a repercussão que um estudo científico divulgado ontem (dia 09/05) gerou. O NIOSH (Instituto Ocupacional de Segurança e Saúde Nacional) é uma agência federal americana, pertencente ao Departamento de Saúde e Serviços Humanos do Gabinete de Governo dos Estados Unidos, e tem como campo de atuação o levantamento de pesquisas sobre prevenção de doenças e acidentes de trabalho. Fizeram um acompanhamento com 3.439 jogadores aposentados da NFL e descobriram que a taxa de morte neste grupo foi menor do que a dos homens americanos. Proporcionalmente, para ficar dentro da média, se esperava que deste número, 625 jogadores falecessem, enquanto o número de mortos foi de 334.

Mas jornalistas e atletas negaram este fato científico, que traz diversos detalhes sobre a morte em consequência de doenças específicas. Disseram que o estudo não é certo. Ora, estão dando mais valor ao senso comum, que o football é violento, para validar este argumento que defendem do que acreditar num estudo totalmente isento de subjetividade.

O NIOSH fez a todos os que são coerentes um enorme favor. Este dado foi espalhado bem na semana que a NFL sofre acusações por todos os lados. Criam um monstro alicerçado na mudança que o esporte teve se tornando mais rápido e, segundo os acusadores, mais violento. Então o esporte era rápido e violento? Sim, esta é a característica do football. Todos sabem disto, inclusive Roger Goodell que por entender que o esporte é mais rápido e mais violento, está assumindo a sua responsabilidade de fazer algo para aumentar a segurança dos jogadores da liga e se posicionar como o chefão.

Assim, multas são distribuídas aos que fazem uma jogada com violência desproporcional, suspensões são distribuídas. Quem chia por isso? Os jogadores que recebem a multa e são suspensos. Criticam Goodell pela severidade e rigor, mas a punição ocorreu por uma razão. Não seria melhor olhar no espelho primeiro antes de se indignar?

Goodell também mexe nas regras do jogo com o intuito de proteger seu produto. Fãs entram nesta, junto com os jogadores, e dizem que o comissário está direcionando o football a ficar mais fraco, tirando as nuances principais do esporte. Ué?! Mas não é a violência que causa tantos danos aos atletas? Combater agora não é a melhor solução?

Existe esta necessidade de impor um limite para que uma tragédia não ocorra em campo com milhões de pessoas assistindo – e que vão culpar a NFL por isso, evidente. Por o esporte ser violento em si, regras impostas não acabará com esta característica, porém pode ajudar a diminuí-la. Antes não se preocupavam com isto, mas hoje Goodell encara esse tópico com seriedade que requere.

O football sempre foi agressivo. Lá nos primórdios, em 1905, o então presidente americano Theodore Roosevelt ameaçou banir a pratica doesporte nos Estados unidos por causar mortes e lesões graves. No mesmo ano foi tomada medidas para melhorar a segurança. Por exemplo: a introdução do passe para frente.

O sindicato dos jogadores se posiciona contra Goodell, argumentando que ele busca os interesses da liga. Lógico! O que mais poderia ser? A NFL é uma entidade privada que tem comando e o comissário está cumprindo seu papel de organizar a liga e protegê-la. Parte dos atletas podem não notar, mas eles também estão sendo beneficiados.

Os delatores? Bom, deveriam sofrer uma brusca cisão e deixar lutar por direitos (financeiros e médicos) quem realmente precisa e tem um bom ataque para pleitear. Os que sobram deveriam tirar a trave do olho antes de querer tirar o cisco do olho da NFL.

Jean-Paul Sartre, francês, foi o filósofo do existencialismo. Numa reflexão Entre Quatro Paredes surgiu a bela frase "o inferno são os outros", pela incapacidade humana de compreender fraquezas e reconhecer erros. Mal sabem que nesta posição é que pode ser feita uma reviravolta, simplesmente por admitir e não responsabilizar ninguém. Mas como isto é raro de acontecer, Sartre dá a dica:

"Pois bem, continuemos..."


(GL)
Escrito por João da Paz

© 1 Mike Stobe / Getty Images

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