O Carismático Poderoso Chefão

Treinadores recebem vários rótulos e um deles é: “Técnico dos Jogadores”. O que isso quer dizer? Eles não têm que treinar... os jogadores? Não é essa a obrigação?

O termo, na verdade, existe para especificar os que têm um bom relacionamento com seus atletas, que conversam com eles numa linguagem fácil de assimilar. Na maioria das ocasiões, porém, este tipo de treinador é visto como cúmplice, sem pulso firme e sem autoridade.

Não é o caso de Mike Tomlin, treinador do Pittsburgh Steelers. Sua personalidade o faz com que seus comandados – e todos empregados da franquia – venham até ele bater um papo sobre o mais inocente assunto, mas na hora da bronca, no momento de ensinar, todos ouvem com atenção e obedecem [elementar].

O ano chave na carreira de Tomlin foi 2000, quando era treinador da secundária da Universidade Cincinnati. Ele pegou um setor que na temporada anterior ficou na posição número 111 em defesa aérea e colocou-os em 69ᵒ lugar na temporada seguinte (4ᵒ em interceptações/fumble). O Tampa Bay Buccaneers precisava de um treinador para sua secundária e a primeira opção era o jovem de Cincinnati. Foi contratado e um problema surgiu.

O líder do setor era John Lynch, que até então tinha na sua coleção três seleções para o Pro Bowl (Jogo das Estrelas) em quatro temporadas. A diretoria avisou que o novo treinador era apenas um ano mais novo que o safety – Lynch tinha 30 anos e Tomlin 29. O relacionamento com garotos nos tempos da NCAA dava para levar com tranquilidade, mas como ganhar um grupo que tem uma referência de experiência maior no jogador que no treinador? Tomlin resolveu esta questão muito bem, bastou relembrar como foi o início de tudo.


Na universidade William & Mary (localizada no estado da Vírginia, considerada, segundo a revista Forbes, a 4ᵃ melhor faculdade pública dos EUA) Tomlin (foto acima) era um receiver de certo destaque e jogou por três temporadas. Sua mãe, dona Julia, sonhava com seu filho se formando, conseguindo um emprego. Contudo a rota que Tomlin estava para pegar era bem diferente e nada o impediria de ser um treinador. Dona Julia fica decepcionada ao saber que Tomlin vai largar a William & Mary para ser um estudante/treinador do Instiuto Militar da Virginia – sua mãe queria que ele arrumasse um “emprego de verdade”.

Lá Tomlin ficou com a equipe de wide receivers. Em 1996, ainda como estudante/treinador, foi para a Universidade de Memphis, responsável pela secundária e time de especialistas. Neste tempo ele conviveu com pessoas da mesma idade, porém com cargos e funções diferentes. O respeito foi obtido, fruto do trabalho sério e dedicado executado por onde passou. Além de conseguir bons números e performances dos seus subordinados, Tomlin criou laços de amizade, relacionamentos com o ser humano que se empenhava por ele. Sabia diferenciar uma coisa da outra.

Com Lynch a conversa foi de igual para igual, um instante que Tomlin precisava demonstrar liderança a alguém que era líder. O potencial choque de egos não aconteceu e após a informal reunião ficou claro quem mandava e mais uma lição concluída - que seria útil numa futura ocasião. Na sua segunda temporada em Tampa, Tomlin e Lynch foram campeões do Super Bowl XXXVII e a secundária foi essencial na vitória: o outro safety, Dexter Jackson, recebeu o prêmio de MVP, último defensor a ganhar o troféu de melhor jogador da final.

A rápida ascensão de Tomlin estagnou um pouco e sua promoção viria após 5 anos com os Buccaneers. Em 2006 tornou-se coordenador defensivo do Minnesota Vikings, cargo que exerceu por uma única temporada; não porque ele desempenhou abaixo do esperado, mas uma nova oportunidade apareceu.

Com o único objetivo de cumprir uma regra na NFL (chamada de Rooney Rule) que obriga os clubes que estão contratando um novo treinador de entrevistar ao menos um candidato minoritário, os Steelers escolheram Tomlin para satisfazer o determinado. Os favoritos para assumir o posto eram internos: Ken Whisenhunt (coordenador ofensivo) e Russ Grimm (treinador da linha ofensiva). Só que Tomlin convenceu Dan Rooney (dono) e Art Rooney II (presidente) e o emprego ficou com o eterno jovem de 34 anos.

Whisenhunt foi para o Arizona Cardinals junto com Grimm. Estes inesperados eventos levaram a uma conversa particular entre o líder dos Steelers, o quarterback Ben Roethlisberger, e o novo treinador. O teor do papo girava em torno da insatisfação do elenco em ter perdido dois treinadores que gozavam de um respeito ímpar entre os atletas e receber em troca “... um cara de 34 anos que ninguém nunca ouviu falar...” disse Big Ben. Mais uma vez Tomlin precisava ganhar respeito e confiança dos jogadores e blá, blá, blá... mesma ladainha ouvida em Tampa.


E, de novo, após uma temporada, Tomlin venceu um Super Bowl. Diferente daquele com os Bucs, é claro, pois desta vez ele era o chefe maior, ditando as diretrizes em todas as frentes no que diz respeito ao elenco e sua atuação em campo. E, de novo, uma temporada foi suficiente para conquistar respeito e confiança dos jogadores e blá, blá, blá...

São quatro temporadas em Pittsburgh e os seguintes números: 2 ida ao Super Bowl (um título); 45v e 21d na temporada regular e 5v e 1d nos playoffs. O intangível pode ser medido na admiração recebida dos jogadores: “Ele é um ótimo motivador” diz James Farrior (LB); “Ele faz com que nós, atletas, jogamos por ele como se fosse nosso companheiro” diz Antwan Randle-El (WR).

Tomlin é um estudioso. Do football ele procura ser meticuloso e seus anos observando universitários o fez ser um ótimo selecionador no draft. Em seu primeiro ano com os Steelers apostou na defesa: Lawrence Timmons – LB e LaMarr Woodley – LB (2007). Depois se concentrou no ataque e selecionou nomes de qualidade como o RB Rashard Mendehall em 2008, o WR Mike Wallace em 2009 e o C Maurkice Pouncey em 2010.

Tomlin é um estudioso. Do cotidiano ele procura ser detalhista e manter tudo escrito em um caderno para possíveis consultas. Este tipo de exercício o ajuda a ter boa memória e uma lembrança dos fatos que acontecem no presente.

Tomlin é um estudioso. Da sua curta e vitoriosa carreira ele pode extrair bons e maus momentos, porém todos contribuíram para moldar sua personalidade que o faz único e especial. As dúvidas do passado viraram certezas, uma transformação possível pelos resultados mostrados, pelas honras conquistadas. Outra lição fica para reflexão, afinal um chefão poderoso pode ser carismático. Por que seria diferente?


(GL)
Escrito por João da Paz


© 1 Jared Wickerham / Getty Images
© 2 Chris McGrath / Getty Images

Um comentário:

idao disse...

muito boa a materia, mostra o lado do coach que ninguem conhecia, com ctz é um otimo treinador.

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