Cicatriz no Rosto, Ferida Aberta e Vida Transformada


Bebida alcoólica... raiva... agressão... Consequências que levam a uma encruzilhada com somente dois caminhos finais: à destruição ou ao arrependimento.

Ano passado Miguel Cabrera (foto acima), 1B do Detroit Tigers, percorreu esta perigosa rota. Uma tragédia poderia ocorrer, mas uma briga foi suficiente para lhe levar até a direção da mudança. O resultado foi que os que vivem a sua volta ganharam um novo homem, um melhor pai, um melhor marido, um melhor jogador.

Cabrera, desde seu início na MLB, lidou com problemas em relação à bebida. Quando ainda estava no Florida Marlins, foi suspenso duas vezes (uma em 2005 outra em 2007) por chegar atrasado em jogos de dia – o que quer dizer que a noite foi longa... Seus companheiros sempre o alertavam sobre o excesso na farra. Muitos estavam com ele nos bares por aí, porém Cabrera abusava. O triste é que a pessoa afetada não percebe que está numa delicada situação.

Geralmente o quadro é revertido quando algo de grave acontece e uma luz ilumina o que está escuro, logo percebendo a real posição que se encontra. No final da temporada 2009, num momento crucial para os Tigers, Cabrera chegou no ponto mais agudo da sua caminhada. Após um jogo contra o rival de divisão Chicago White Sox, ele foi se divertir com os jogadores adversários, saíram para beber. Enquanto uns apreciaram com moderação, o venezuelano novamente não leu o aviso. Novamente chegou tarde em casa. Novamente houve uma discussão.

Sua esposa, Rosangel, fez a pergunta corriqueira: “Onde você estava para chegar em casa às 6 da manhã!” Embriagado Cabrera escutou o “desaforo”, mas não ouviu. O bate-boca foi intenso até socos surgirem e ambos serem feridos; Miguel teve um corte na cabeça e no lado esquerdo do rosto - abaixo do olho. Ela prontamente foi à delegacia de polícia prestar queixa pela agressão e Cabrera prontamente compareceu. Nenhuma acusação foi arquivada ou levada adiante, porém as poucas horas que ele ficou detido foram a medida exata para cair na real.

As péssimas performances na sequência também contribuíram. Nos dois jogos restantes da série contra os White Sox, Miguel não rebateu nada (0 em 7 tentativas). Os Tigers perderam a liderança da divisão e tiveram que fazer um jogo de desempate contra os Twins por uma vaga nos playoffs. O time de Minnesota venceu a partida extra e Cabrera recebeu em sua conta a responsabilidade da eliminação da sua equipe.

Então ele despertou e se posicionou de maneira correta: assumiu que tinha um problema com bebida e foi atrás de apoio. De diretores da franquia até amigos mais íntimos, todos que viviam ao redor de Cabrera se propuseram a ajudá-lo. Passou três meses numa clínica de reabilitação para viciados em bebidas alcoólicas, dias que lhe serviram como renovação de energia, criando nele uma nova mentalidade para não repetir a cena de horror daquela manhã quando o álcool no seu sangue (0.26) estava três vezes acima do limite permitido para dirigir nas ruas de Detroit.


O ato de buscar um auxílio deu certo. Hoje ele tem um melhor relacionamento com sua mulher e com sua filha; tem um melhor relacionamento com o jogo. Percebeu que não precisa da bebida para se divertir, para aliviar a tensão. Descobriu que simples autógrafos para crianças podem proporcionar uma satisfação imensa. Os admiradores do bom beisebol agradecem.

Todos diziam sobre Cabrera a mesma coisa: se ele fosse mais consciente, seria muito mais produtivo. O simples fato de não ir à baladas, chegar cedo em casa e estar disposto para os jogos diurnos, trouxeram uma melhora substancial nos seus números. É o líder da MLB em OPS, estatística que melhor define um rebatedor, e segundo colocado em aproveitamento com o bastão - nestas duas categorias ele disputa a primeira posição contra Josh Hamilton do Texas Rangers, que também teve seus problemas com bebidas. Além disto Cabrera tem mais RBI (106) do que todos os outros jogadores e está em segundo em HR´s (31) – o líder é Jose Bautista do Toronto Blue Jays com 38.

O passado só deve ser lembrado pelo lado positivo. As coisas ruins que aconteceram devem ser analisadas como superadas e Cabrera faz isto quando ouve dos torcedores rivais impropérios sobre o comportamento que tinha quando agia influenciado pelo álcool. Com a meta de não se prejudicar, ele absorve os insultos como motivação para se tornar um melhor jogador. Tentam o desconcentrar ou fazê-lo ficar com raiva, mas não conseguem. Notam que a investida para tirá-lo do eixo não foi bem sucedida quando Miguel começa a fazer o que sabe de melhor: rebater bolas para todos os lados do campo.

A habilidade dele é excelente. Embora jogue mais vezes num estádio que favorece os arremessadores (Comerica Park), Cabrera consegue desempenhar seu papel muito bem na 4ª posição na ordem de rebatedores (conhecida como “limpa as bases”). Justamente quando está com o bastão e algum companheiro está nas bases, seu aproveitamento eleva: .345 quando jogadores estão em posição para marcar (na 2º e/ou 3ª base); e .417 quando as bases estão cheias.

Uma característica forte do jogo de Cabrera é rebater a bola do lado oposto – por ser destro, entre a 1ª e 2ª base. Isto ele aprendeu quando criança com um tio que o levava para treinar rebatidas. Toda vez que o garoto não conseguisse jogar a bola no lado oposto, tinha que correr uma volta no infield. Para evitar a punição, lá ia as bolas como seu “treinador” ordenava. Em um dos primeiros momentos importantes de Cabrera na MLB, demonstrou que as aulas da infância deram resultados.

No jogo 4 da World Series de 2003 contra o New York Yankees, o jovem de 20 anos de idade, enfrentou Roger Clemens, um dos melhores arremessadores da história* Um míssil para o lado oposto foi rebatido = HR (vídeo abaixo).



Hoje ele está com 27 anos e pode terminar esta temporada com seus melhores números em oito anos de carreira: projeção final de 41 HR´s e 134 RBI, além da melhor marcar em .BA e OPS. Se os Tigers fossem aos playoffs, Miguel seria um candidato sério para o prêmio de MVP da Liga Americana. Apesar de que ainda falta muita coisa para se conquistar e três anos para ele atingir a idade que muitos acreditam ser o pico para os jogadores de beisebol. Até lá, e depois também, sua estrada está bem pavimentada para levá-lo ao mais alto ponto possível, onde uma ajuda da bebida não é bem vinda. Basta um sorriso, paz e amor a si mesmo.



(GL)
Escrito por João da Paz


© 1 The Detroit News Media
© 2 Hannah Foslein / Getty Images

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